Estabelecimento empresarial

Um dos assuntos mais  debatidos em Direito Empresarial, o estabelecimento  empresarial sempre teve papel de destaque neste ramo jurídico, ocupando longas páginas de nossa doutrina e se constituindo em tema sempre cobrado nos concursos mais concorridos do país.

Considerando a importância dessa matéria a nosso leitor, seja ele um profissional da área, estudante ou concursando, o blog direito empresarial houve por bem apresentar um artigo em que o tema fosse discutido de modo simples, didático, mas sem descurar da completude necessária.

Ao final, preparamos um teste de conhecimentos para os leitores, possibilitando o dowload gratuito de arquivo contendo questões de diversos concursos sobre o assunto, com a devida resolução e comentários.

Estabelecimento empresarial, estabelecimento comercial, fundo de comércio ou de empresa: eis algumas das nomenclaturas empregadas para designar esse instituto jurídico, o qual, nos próximos tópicos, procuraremos trazer ao leitor em maiores detalhes. Obviamente, o assunto é extenso, podendo ocupar livros e mais livros. Assim, apesar de tentarmos aqui uma abordagem mais exauriente possível, sabemos que é impossível esgotar a matéria.

Nomenclatura

O tema relativo ao estabelecimento empresarial já começa divergente em sua nomenclatura.  Como dissemos anteriormente, vários são os nomes que a doutrina usa para designar o mesmo fenômeno jurídico.

Embora sempre haja aqueles que procuram fazer distinções, a maioria de nossa doutrina entende como sinônimas as expressões anteriormente mencionadas. Já dizia o saudoso Oscar Barreto Filho que:

Nas leis pátrias, são empregados como sinônimas de estabelecimento comercial as expressões negócio comercial, casa de comércio, fundo mercantil ou fundo de comércio (…).

Informa Carvalho de Mendonça que aquela expressão equivale ao ‘negotium’ ou ‘negotiatio’ do direito romano, ao ‘fonds de commerce’ do direito francês e belga, à ‘azienda commerciale’ do direito italiano, ao ‘Geschäft’ ou ‘Handelsgeschäft’ do direito alemão e austríaco, ao ‘goodwill’ ou ‘goodwill of a trade’ do direito inglês e norte-americano (Teoria do Estabelecimento Comercial: fundo de comércio ou fazenda mercantil. Max Limonad, 1969, p. 65).

Para os efeitos deste artigo, consideraremos as diversas expressões aludidas como sinônimas.

O que é estabelecimento empresarial? Distinção entre empresário, empresa e estabelecimento

As definições de estabelecimento empresarial na doutrina são razoavelmente pacíficas, apresentando apenas algumas peculiaridades, conforme as preferências de cada autor. Para que o leitor tenha noção de como a doutrina define o instituto, mencionaremos a seguir algumas conceituações dos mais importantes autores:

Na doutrina brasileira:

Carvalho de Mendonça: O estabelecimento comercial, na acepção aqui empregada (tem outros significados), designa o complexo de meios idôneos, materiais e imateriais, pelos quais o comerciante explora  determinada espécie de comércio; é o organismo econômico aparelhado para o exercício do comércio (Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Freitas Bastos, v. 5, p.17).

João Eunápio Borges: Estabelecimento comercial não é apenas a casa, o local, o cômodo no qual o comerciante exerce sua atividade. Mas é o conjunto, o '”complexo das várias forças econômicas e dos meios de trabalho que o comerciante consagra ao exercício do comércio, impondo-lhes uma unidade formal, em relação com a unidade do fim”, para qual ela as reuniu ou organizou (Curso de Direito Comercial Terrestre. Forense, v. 1, p.283).

Oscar Barreto Filho: Complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil (op. cit., p.75).

André Luiz Santa Cruz Ramos: Trata-se, em suma de todo o conjunto de bens, materiais ou imateriais que o empresário utiliza no exercício de sua atividade (Direito Empresarial Esquematizado. Ed. Método, p.73).

Fábio Ulhoa Coelho: Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica (Curso de Direito Comercial. Ed. Saraiva, p.96).

Na doutrina estrangeira:

Túlio Ascarelli: Il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’esercizio dell’impresa – suona l’art. 2555 – costituisce l’azienda; all’atività professionale dell’imprenditore (impresa) si contrappone cosi um complesso di beni (…) strumento dell’atività di esercizio, frutto di quella di organizzazione (Corso di Diritto Commerciale. Giuffrè, 1962, p. 312).

Aldo Fiale: L’azienda è “il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’ezercizio dell’impresa” (…). Essa costituisce la proiezione patrimoniale dell’impresa: l’organismo técnico-economico mediante il quale l’imprenditore realizza la coordinazzione dei fatori della produzione (Diritto Commerciale. Simone, 2008, p. 65).

Georges Decocq: Le fonds de commerce, dont il n’existe aucune définition légale, se présente comme un ensemble d’elements corporels et incorporels dont la mise em mommun est destinée à conquérir et conserver une clientèle (Droit Commercial. Dalloz, p. 241).

Ressalte-se que o Código Civil traz uma definição legal do que seja estabelecimento, no art. 1.142, acompanhando os conceitos doutrinários anteriormente aludidos:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Devemos nos lembrar sempre que não se confundem os conceitos de empresário, empresa e estabelecimento. Já a clássica lição de Waldemar Ferreira, utilizando-se de círculos concêntricos, distinguia o empresário (pessoa física ou jurídica que exerce atividade empresarial) a empresa (a atividade empresarial em si) e o estabelecimento (conjunto de bens empregados pelo empresário para o exercício da empresa).

Graficamente, seguindo as lições do autor supracitado, teríamos:

 

Onde a matéria está regulada na legislação nacional e estrangeira?

Em nosso Código Civil, a matéria está regulada nos arts. 1.142 a 1.149.

Na Itália, o Código Civil italiano regula o tema nos arts. 2.555 a 2.574.

Na França, o Código do Comércio francês dispõe a respeito do assunto a partir do art. L141-1.

Na Argentina, há algumas normas sobre o tema no Código de Comercio argentino, sendo a transferência de estabelecimento regulada na Ley 11.867

Qual a natureza jurídica do estabelecimento empresarial?

Essa é uma das matérias mais discutidas na doutrina. Há uma série de teorias que tentam definir a natureza jurídica do estabelecimento empresarial. Para resumir a matéria, apresentamos a nosso leitor o quadro seguinte:

Realmente, as teorias que atribuem personalidade ao estabelecimento empresarial não podem ser aceitas perante o Direito Empresarial pátrio. Com efeito, nossa legislação não atribui personalidade ao estabelecimento.

As teorias que veem o estabelecimento como um negócio também não são passíveis de acolhimento, uma vez que o estabelecimento não é o negócio em si, mas o resultado de uma série de negócios ou ainda o objeto de um negócio autônomo e específico.

Da mesma forma, a visão do estabelecimento como um bem imaterial, separado dos bens materiais que o compõem, é inaceitável, pois além do estabelecimento, por si, ser também composto por bens imateriais, resta inconcebível separar o conceito de bem imaterial para definir o instituto jurídico, uma vez que o estabelecimento é uma universalidade de bens. Essa teoria, na verdade, mais trata de características, elementos ou consequências da formação do estabelecimento, como o aviamento.

Não se pode conceber, da mesma forma, o estabelecimento como uma universalidade de direito, nos moldes do que ocorre com a herança (art. 1.791 do Código Civil) ou com o conceito de patrimônio (art. 91 do Código Civil). Isto porque a unidade derivada da reunião dos bens que compõem o estabelecimento não é determinada por lei, tendo lugar apenas pela vontade do titular. Além disso, o estabelecimento não abrange todas as relações jurídicas de seu titular, como veremos com mais detalhes a seguir.

Resulta, portanto, que o estabelecimento, entre nós, deve ser considerado como uma universalidade de fato, nos termos que conceitua o art. 90 do Código Civil, ou seja, como uma pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.

O que compõe o estabelecimento empresarial?

A doutrina costuma dividir os bens ou elementos que compõem o estabelecimento empresarial em alguns grupos, tais como:

Note-se que o empresário individual ou sociedade empresária não necessariamente serão proprietários dos bens que compõem o estabelecimento: poderão ser locatários, usufrutuários, ou de qualquer forma possuírem direitos similares que lhes possibilitem destinar tais bens ao uso da atividade empresarial. Em suma: é mister que haja uma relação de titularidade e não de propriedade sobre os bens.

Visto isso, passemos a analisar algumas divergências que ocorrem a respeito desse tema.

A primeira questão que se discute na doutrina é a de se saber se os imóveis fazem parte do estabelecimento empresarial.

João Eunápio Borges (op. cit., p. 288) argumenta favoravelmente à inclusão dos imóveis:

Se o imóvel em que está instalado o estabelecimento pertence ao proprietário deste, não há motivo para o não incluir entre os elementos corpóreos do estabelecimento. Em o nº 112 supra, vimos em que sentido e por que continuam ainda os imóveis fora do domínio de nosso direito comercial vigente. Tais razões, porém, não impedem o comerciante de, se o quiser, considerar o imóvel como parte integrante de seu estabelecimento.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, em posicionamento contrário, preceitua:

Como se sabe, alguns autores consideram o imóvel onde o empresário exerce sua atividade como elemento corpóreo do estabelecimento. Entre estes, Rocha Furtado alega ser contraditório admitir que o ponto comercial integre o estabelecimento, mas não o imóvel onde ele está instalado. No entanto, não pode ser superada a crítica contrária a tal inclusão, na medida em que a tutela do estabelecimento não abrange a tutela do imóvel no qual se localiza, mesmo que ele pertença ao empresário e não seja alugado. Neste caso, por exemplo, a venda do estabelecimento não pode ser objeto de um único instrumento contratual, devendo a transferência do imóvel ser feita por meio de contrato de compra e venda específico, reconhecendo-se a mudança do titular da propriedade imobiliária tão somente quando obedecidas as solenidades legais (escritura pública e registro e Cartório de Imóveis) (Curso de Direito Comercial. Ed. Malheiros, v.1, p.245).

A segunda questão importante a se saber é se o aviamento, conceituado como o valor incremental obtido pela reunião dos bens que compõem o estabelecimento, derivado da perspectiva de lucros futuros, é elemento do estabelecimento.

Há efetivamente grande divergência sobre a natureza jurídica do aviamento. Alguns o conceituam como um elemento incorpóreo ou imaterial do estabelecimento. Outros, como Oscar Barreto Filho, o inserem como um atributo ou uma qualidade do estabelecimento, uma vez que a perspectiva de lucros que consubstancia o aviamento na verdade não compõe o estabelecimento, mas é gerada por este, como resultado da união dos bens nele inseridos.

Sobre a influência do aviamento na perspectiva de lucros ou fluxo de caixa da atividade empresarial, bem como sua repercussão na avaliação de empresas, indicamos a leitura de nosso artigo “Quanto vale uma empresa?”, publicado aqui no blog direito empresarial.

Por fim, discute-se se as dívidas ou o passivo compõem o estabelecimento empresarial como elementos deste.

Tradicionalmente, em nosso ordenamento, as dívidas não eram consideradas como elementos do estabelecimento empresarial, razão pela qual não se transmitiam quando do trespasse do estabelecimento, ressalvados os casos em que as partes assim convencionassem. Isto se entendia até mesmo como forma de garantia aos credores, evitando que houvesse transferências danosas a estes que exonerassem o titular do estabelecimento, então devedor, de suas responsabilidades.

No entanto, o art. 1.146 do Código Civil traz aspecto inovador à matéria ao dispor que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento; assunto que veremos com mais vagar a seguir.

Alienação do estabelecimento e suas responsabilidades

O estabelecimento empresarial pode ser objeto de uma ampla gama de negócios jurídicos, dentre eles a alienação, a instituição de usufruto, o arrendamento, entre outros mais. O principal contrato utilizado em negócios envolvendo estabelecimento empresarial é o denominado trespasse, ou seja, o contrato pelo qual as partes pactuam a alienação ou transmissão onerosa do estabelecimento.

Não se confunda, entretanto, o trespasse do estabelecimento empresarial, com negócios que possuem efeitos econômicos similares, como a cessão de cotas de uma sociedade empresária. Nesta última, há mudança no quadro de sócios de uma sociedade empresária e não só na titularidade dos bens que são destinados ao exercício da atividade empresarial.

Há uma série de cuidados que as partes devem ter ao realizar o trespasse do estabelecimento ou outros negócios sobre eles. Dois são os principais cuidados: 1) a averbação do negócio à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, com a publicação na imprensa oficial; 2) A anuência (expressa ou tácita) dos credores, em trinta dias a partir de sua notificação ou o pagamento destes, no caso de ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, quando a eficácia da alienação do estabelecimento dependerá de tais providências.

Graficamente, em resumo, teríamos:

É importante ressaltar que a transferência do estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo é ato de falência (art. 94, III, “c”, da Lei 11.101/05).

No que toca à responsabilidade do alienante pela transferência ou alienação do estabelecimento, como ressaltamos anteriormente, o art. 1.146 do Código Civil trouxe aspecto inovador à matéria ao dispor que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Assim, desde que o passivo esteja escriturado, não haverá como o adquirente se subtrair à responsabilidade pelo pagamento da dívida inerente ao estabelecimento adquirido, solidariamente (no período de um ano da publicação ou do vencimento) com o alienante e solitariamente a partir de então.

A regra mencionada apresenta ao mesmo tempo um aumento de responsabilidade (já que o adquirente, pelo entendimento doutrinário predominante, anterior à regra do Código Civil, não respondia pelo passivo) e uma limitação ou garantia, uma vez que a responsabilidade do adquirente será limitada ao conteúdo da escrituração do passivo.

A razão da existência do dispositivo legal supracitado é a de que, se existe escrituração regular, com livros autenticados e formalizados perante os órgãos registrários de empresas, o adquirente do estabelecimento tem o dever de exigi-los e consultá-los para avaliar, diante de seu conteúdo, se a aquisição se apresenta vantajosa sob o ponto de vista econômico.

Se não o fizer, mesmo assim ficará responsável pelos débitos existentes, diante de sua desídia.

Veja-se que no direito italiano, a regra de sucessão é similar à inserta no art. 1.146 do novo Código Civil. De fato, o art. 2.560 do Código Civil italiano dispõe no seguinte sentido (grifos nossos):

Art. 2560 Debiti relativi all’azienda ceduta

L'alienante non è liberato dai debiti, inerenti all'esercizio dell'azienda ceduta, anteriori al trasferimento, se non risulta che i creditori vi hanno consentito. Nel trasferimento di un'azienda commerciale (2195) risponde dei debiti suddetti anche l'acquirente dell'azienda, se essi risultano dai libri contabili obbligatori (2212 e seguenti).

Há um problema prático, entretanto, com a aplicação dessa regra de sucessão pelos débitos contabilizados. Com efeito, há dívidas que tocam à atividade empresarial como um todo, sendo comuns a mais de um estabelecimento. Imaginemos a hipótese de uma sociedade empressária com dois estabelecimentos e que possua uma dívida (devidamente contabilizada) com um fornecedor pela aquisição de matérias primas que são utilizadas na atividade produtiva de ambos estabelecimentos mencionados. Como atribuir essa dívida ao adquirente de um dos estabelecimentos? Proporcionalmente aos bens produzidos em cada estabelecimento? Dividindo a dívida pela metade? Não há solução legal. O melhor é que as partes discriminem em contrato por quais dívidas responde o adquirente, no caso da escrituração não as imputar a um estabelecimento específico. Essa, aliás, é a solução proposta por Fábio Ulhoa Coelho em sua obra O futuro do direito comercial (Ed. Saraiva, p. 39).

Ressalte-se também que essa regra de sucessão não se aplica, em regra, aos credores trabalhistas e tributários, que possuem disciplina específica para seus créditos (art. 10 e 448 da CLT e art. 133 do CTN), a qual determina a sucessão do adquirente nas dívidas, sem necessidade de prévia contabilização.

No entanto, buscando facilitar a aquisição por terceiros de ativos de devedores em recuperação ou em processo falimentar, a Lei 11.101/05 exclui a sucessão (inclusive a trabalhista e a tributária) quando a alienação do estabelecimento tenha se dado na execução do plano de recuperação ou em processo de falência (arts. 60, p. único e art. 141, II, da Lei 11.101/05). Essa ausência de sucessão foi proclamada constitucional pelo STF, como se pode ver na decisão seguinte:

Publicação

DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009

EMENT VOL-02381-02 PP-00374

Ementa

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II - Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente.

Dada a necessidade de continuidade de exploração do estabelecimento, o art. 1.148 do Código Civil dispõe que, salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

No mesmo sentido, o art. 1.149 deste diploma ressalta que a cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.

Proteção do ponto, da clientela e cláusula de não concorrência

A atividade empresarial exercida pelo titular do estabelecimento certamente agrega valor aos bens componentes do estabelecimento, criando justamente o que se chama de aviamento.

Esse valor agregado é composto de uma série de fatores, dentre os quais a credibilidade do empresário, a qualidade de seus produtos ou serviços, a capacidade de atrair clientela, entre outros fatores.

No entanto, é necessário que ordenamento proteja o empresário que agrega um sobrevalor ao negócio, de modo que não haja apropriação indevida por terceiros de forma predatória ou parasitária.

A primeira proteção existente em nosso ordenamento é derivada da possibilidade de renovação compulsória da locação do imóvel onde o estabelecimento comercial se encontra situado. Com isso, o legislador protege o ponto comercial. Tal proteção se encontra inserida na Lei 8.245/91, art. 51, que exige os seguintes requisitos para o direito à renovação:

  • O contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
  • O prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos (acessio temporis) seja de cinco anos;
  • O locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Nos termos do art. 52 da Lei 8.245/91, o locador não estará obrigado a renovar o contrato se:

  • Por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;
  • O imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. Nessa hipótese, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com base no fundamento aludido.

O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.

Outra proteção legalmente atribuída ao titular do estabelecimento empresarial é a defesa contra concorrência desleal ou parasitária. As condutas de terceiros que possam ser enquadradas como concorrência desleal são previstas na Lei 9.279/96 e punidas tanto no âmbito civil quando criminal. Alguns exemplos de atos de concorrência desleal, definidos também como crimes, são os estabelecidos no art. 195 da Lei 9.279/96:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa

Finalmente, também como medida de proteção à clientela do titular do estabelecimento empresarial, consagrou o Código Civil, no art. 1.147 a chamada cláusula de não concorrência ou de não restabelecimento, segundo a qual, no trespasse de um estabelecimento empresarial, não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. No parágrafo único do artigo citado, ressalta-se que, no caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

Em havendo concorrência pelo alienante após o trespasse, poderá este ser obrigado a indenizar o adquirente. Veja-se o acórdão seguinte do TJSP nesse sentido:

Apelação n. 991.03.008348-7
Comarca: SÃO PAULO

AÇÃO DECLARATORIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E  MORAIS - Inépcia parcial da petição inicial - Pedido indenizatório compatível com os fatos
narrados na petição inicial. Julgamento do processo nos termos do art. 515, § 3o do CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

VENDA DE ESTABELECIMENTO - TRESPASSE – DANO MORAL - Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência (art. 1.147, Código Civil). Violação da cláusula (implícita) de não-restabelecimento. Dano moral fixado em R$ 10.000,00, ante à ausência de maiores elementos para seu arbitramento. RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO.

Alguns aspectos devem ser ressaltados quanto à cláusula de não concorrência.

Inicialmente, é importante mencionar que essa doutrina, entre nós, teve início numa discussão judicial importante sob o ponto de vista histórico, que envolveu feito em que a autora, Companhia Nacional de Tecidos de Juta, litigava com o Conde Alvares Penteado e a Companhia Paulista de Aniagem.

Nessa disputa, que marcou o embate entre Carvalho de Mendonça (pela autora) e Rui Barbosa (pelos réus) discutia-se se a cláusula de não concorrência ou de não restabelecimento seria implícita ou não na transferência do estabelecimento, uma vez que o Conde Alvares Penteado, após a venda da Companhia Nacional de Tecidos de Juta e seu estabelecimento, veio a continuar o mesmo negócio, por intermédio da criação da Companhia Paulista de Aniagem.

À época, a tese vencedora no STF foi a de que a cláusula de não restabelecimento não se considerava implícita no trespasse, orientação que, como vimos, está superada ante o disposto no art. 1.147 do Código Civil.

Outra questão envolvendo tal cláusula é saber quais são seus limites.

É pacífico que a cláusula de não restabelecimento não pode vedar ao alienante a prática de qualquer atividade empresarial em qualquer localidade. O próprio Código Civil italiano, no art. 2.557, ressalta que “Il patto di astenersi dalla concorrenza in limiti più ampi di quelli previsti dal comma precedente è valido, purché non impedisca ogni attività professionale dell'alienante. Esso non può eccedere la durata di cinque anni dal trasferimento”.

Como ressalta Fábio Ulhoa Coelho:

É, no entanto, unânime, na doutrina e jurisprudência de diversos países, que a validade da interdição, mesmo a legalmente prevista, depende de alguns limites. O empresário que alienou o seu estabelecimento não pode ficar impedido de explorar atividades não concorrentes, ou ficar vinculado à obrigação de não fazer por prazo indeterminado ou sem delimitações geográficas (…). O objetivo da proibição contratual é impedir o enriquecimento indevido do alienante, através do desvio eficaz da clientela. Ora, se ele se restabelece em atividade não concorrente, ou para atender região inalcançável pelo potencial econômico do antigo estabelecimento, ou, ainda, depois de transcorrido prazo suficiente para o adquirente consolidar sua posição de mercado, não se verifica concorrência direta entre os participantes do contrato de trespasse; consequentemente, não há disputa da mesma clientela, nem enriquecimento indevido do alienante (op. cit., p. 123).

Obviamente, nos casos concretos pode ser muito difícil apurar a existência ou não de concorrência. Como bem leciona André Luiz Santa Cruz Ramos:

Parece-nos que a resposta a essas indagações não podem ser resolvidas '”a priori”, por meio de uma afirmação genérica que valha para qualquer situação. Caberá ao julgador, analisando as circunstâncias fáticas do caso concreto, verificar se o eventual restabelecimento do alienante configura, de fato, concorrência ao adquirente; e, ainda, se essa concorrência está, de fato, provocando um desvio de clientela prejudicial ao adquirente. O elemento teleológico de interpretação, nesse caso, é de extrema importância, no nosso entender (op. cit. p. 81).

Conclusões e teste de conhecimentos

O estabelecimento empresarial se constitui no conjunto de bens, organizados pelo empresário para o exercício da atividade empresarial. Sua natureza jurídica, perante o ordenamento pátrio, tem recebido tratamento razoavelmente pacífico na doutrina, que o conceitua como universalidade de fato.

O estabelecimento é composto por bens ou elementos corpóreos/materiais ou incorpóreos/imateriais. Há divergências doutrinárias se o aviamento, os bens imóveis e as dívidas integram o estabelecimento empresarial.

A alienação do estabelecimento tem algumas condições importantes para sua eficácia, dentre elas a averbação no Registro de Empresas e respectiva publicação, além da anuência dos credores ou pagamento destes, se não sobrarem outros bens ao alienante.

Nos termos do Código Civil, há responsabilidade do adquirente pelos débitos contabilizados. Tal regra de responsabilidade não se aplica, em regra, aos créditos tributários e trabalhistas, que possuem disciplina própria que prevê a sucessão de obrigações. No entanto, em havendo alienação em processo de recuperação ou falência, não haverá sucessão, nem mesmo trabalhista ou tributária, nos termos da Lei 11.101/05, cuja constitucionalidade foi confirmada pelo STF.

Para a proteção do valor agregado pelo titular do estabelecimento, nosso ordenamento prevê a possibilidade de renovação da locação do imóvel em que o estabelecimento se localiza, a repressão de atos de concorrência desleal e a cláusula de não concorrência ou não restabelecimento na alienação.

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