Analisando o Projeto de Código Comercial (1ª parte): a empresa e o empresário

Analisando o Projeto de Código ComercialUm dos temas mais discutidos na atualidade é o Projeto de Lei que institui o novo Código Comercial (PL 1.572/2011), cuja iniciativa legislativa partiu do Deputado Vicente Cândido, baseado na obra do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, da PUC-SP.

Para que nossos leitores possam ter sempre a informação mais atualizada e desfrutar da análise mais imparcial possível, o Prof. Alexandre Demetrius Pereira postará doravante aqui no blog direito empresarial uma série de artigos analisando referido projeto em sua inteireza, de forma clara e objetiva.

Nesta primeira parte, comentaremos os dispositivos do Projeto de Código Comercial que tratam da empresa e do empresário.

Continue lendo e fique bem informado sobre o assunto!

 

Introdução e escopo do artigo

Antes de ingressarmos na análise das disposições do Projeto de Código Comercial (ao qual passaremos a nos referir como PLCCom), é importante delimitar algumas questões introdutórias, além de fixar o escopo deste artigo e dos ulteriores que tratarão do mesmo tema:

  1. Não ingressaremos em polêmicas a respeito da necessidade ou não da codificação em comento: boa parte dos debates travados sobre o PLCCom tem discutido se referido corpo de normas, em nossa realidade atual, é oportuno ou não, bem como se o Direito Empresarial deve ser regulado por uma única codificação ou somente por leis esparsas. Respeitamos todas as posições, mas não será nosso objetivo neste artigo (e nos posteriores da mesma série) discutir tais ideias;
  2. Nosso escopo é o debate de conteúdo: entendemos que, sem desmerecer a relevância do debate sobre a oportunidade ou conveniência de um novo Código Comercial, é mais interessante aos aplicadores do direito e ao nosso leitor a discussão do conteúdo do projeto, feito de forma objetiva. Isto proporciona aos leitores informação sobre a essência da matéria, venha ela a ser regulada futuramente num Código ou em legislação especial.

A abordagem do PLCCom

É importante frisar ao leitor qual foi a base ou a filosofia que orientou a formação do PLCCom, para que o leitor entenda mais sobre os motivos que levaram ao surgimento de tal projeto.

As justificativas apresentadas pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho vão nos seguintes sentidos:

  • Esgarçamento dos princípios e valores do Direito Empresarial:  o autor do anteprojeto parte do pressuposto que alguns dos princípios do Direito Empresarial, sobre os quais esse ramo deitava suas bases, foram paulatinamente deixados de lado. Princípios como a separação patrimonial ou a limitação de responsabilidade do sócio nas sociedades empresárias, de grande importância no incentivo ao empreendedorismo, passaram a ser progressivamente afastados pela jurisprudência (p.ex.: com a aplicação desenfreada da teoria da desconsideração). Esse enfraquecimento na principiologia basilar contribuiu para certo rebaixamento na relevância desse ramo jurídico;
  • Ausência ou pequena relevância, no Direito Empresarial brasileiro, da argumentação por princípios: um dos pontos relevantes para a apresentação do PLCCom é a constatação feita pelo autor do anteprojeto de que, entre nós, não vingou no Direito Empresarial a chamada argumentação por princípios. Aduz o autor que a argumentação por princípios contribuiu para a reafirmação dos valores e da relevância dos diversos ramos jurídicos. No entanto, ao contrário de outras disciplinas (v.g., o Direito Constitucional, o Direito Civil etc.) , o Direito Empresarial não se apegou à principiologia, deixando de difundir seus valores estruturais;
  • Necessidade de previsibilidade das regras jurídicas para garantir o investimento: um dos mais importantes pilares sobre os quais o projeto se desenvolve é a previsibilidade das regras jurídicas, de modo a possibilitar a atração do investimento. Em um mundo globalizado, a regra é que os capitais destinados a investimentos podem migrar rapidamente para qualquer lugar do mundo. Quando isso ocorre, o prejudicado não é o investidor (que simplesmente buscará outro lugar para aportar seus recursos), mas os destinatários do investimento (governos, empregados etc.), que não desfrutarão de seus benefícios (empregos, tributos, etc.). Um dos fatores mais importantes para a atratividade do investidor é a previsibilidade das regras jurídicas, de forma que não repercutam demasiadamente nos cálculos dos custos necessários à atividade empresarial.

A definição de empresa

O primeiro tema tratado no PLCCom é a empresa (definição nos arts. 1º a 3º).

No conceito econômico, as empresas representam as unidades produtoras de bens e serviços de uma determinada sociedade, em contrapartida do que se convencionou chamar de famílias, ou unidades consumidoras.

Sob o ponto de vista da Economia, em sua concepção mais básica, as famílias são proprietárias originárias dos fatores de produção (usualmente considerados como capital, trabalho e recursos naturais). Tais recursos são postos à disposição das empresas, mediante retribuição (= renda: que compreende salários, juros, lucros e aluguéis). As empresas, por seu turno, são responsáveis pela produção de bens e serviços, colocados no mercado para consumo das famílias. Esquematicamente, temos o seguinte:

Empresas e famílias

  

No campo jurídico, o conceito de empresa absorveu muito do acima trazido pela Economia, com uma sutil, mas importante, distinção: não se entende a empresa como unidade produtora, mas como a atividade produzida por esta unidade. No ramo jurídico, é de nossa tradição conceituar empresa como atividade organizada que visa a produzir bens e serviços ao mercado. Essa definição foi seguida pelo art. 2º do PLCCom, ao definir empresa como a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.

Perante o Direito, empresa não é sujeito nem objeto de direitos. Não se confunde com a pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI) ou com o estabelecimento empresarial. É mera atividade. Poderíamos dizer que mais se aproxima do que convencionamos chamar de empreendimento. Em outras palavras, como frequentemente encontramos em nossa doutrina, empresa não “é” e não se “tem”, somente se “exerce” (para maiores detalhes sobre a definição de empresa, clique no link seguinte e  veja nossa aula em vídeo sobre teoria da empresa).

Releva dizer que, até aqui, o PLCCom não inovou quanto à definição de empresa usualmente apresentada pela doutrina. Talvez, se alguma inovação possa ser apontada, poderíamos dizer que o PLCCom traz uma definição direta do que considera empresa, ao contrário do que faz o art. 966 do CC, que somente define empresário, conceito do qual se deduz o que seja a empresa para fins jurídico-comerciais.

Uma inovação importante do PLCCom, que complementa a abrangência do conceito de empresa, está contida no art. 3º, verbis:

Art. 3º. Não se considera empresa a atividade de prestação de serviços própria de profissão liberal, assim entendida a regulamentada por lei para cujo exercício é exigida formação superior.

Podemos dizer que já é da tradição de nosso ordenamento, cujo modelo parte da legislação italiana, [1] excluir parte das atividades econômicas do regime jurídico empresarial, principalmente aquelas que dizem respeito a profissões liberais ou intelectuais.

Complementa tal artigo o disposto no art. 13 do PLCCom, que mantém a exclusão, mesmo no caso de a atividade intelectual ser exercida com colaboradores, verbis:

Art. 13. Não é empresária a pessoa física ou jurídica que explora as atividades relacionadas no artigo 3º deste Código, ainda que conte com o concurso de auxiliares ou colaboradores.

Alguns detalhes são de importante conhecimento nessa exclusão das atividades intelectuais:

  1. A exclusão não se opera em razão de tais atividades não visarem ao lucro ou não possuírem caráter econômico. As atividades intelectuais ou liberais também podem ter escopo lucrativo (v.g.: advogados, médicos, contadores, economistas e demais profissionais liberais, que também buscam o lucro como remuneração final de sua atividade, conceituado este como a diferença entre receitas e despesas do negócio);
  2. Trata-se, portanto, de uma opção política do legislador, tomada muito mais com base  na tradição de nosso ordenamento (e na do ordenamento italiano que lhe deu suporte) que em critérios técnicos de natureza econômica ou jurídica; [2]
  3. A exclusão, no regime atual do Código Civil e no do PLCCom, abrange basicamente as chamadas profissões regulamentadas, usualmente regidas por um corpo normativo próprio e fiscalizadas por órgão respectivo.

O mérito do art. 3º do PLCCom, em cotejo com o regime do Código Civil (art. 966, p. único), foi suprimir a expressão constante desse último “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”, que limita a exclusão da atividade intelectual do regime empresarial quando ela se constitua como “elemento de empresa”.

Dizemos que a exclusão foi meritória porque até hoje não se tem um conceito preciso do que significa a expressão “elemento de empresa” constante do art. 966, p. único, do CC. A maior parte da doutrina entende que tal “elemento” diz respeito ao grau de organização dos fatores de produção (assim, estaria sujeito ao regime empresarial o exercício de profissão intelectual que se organizasse de modo complexo, próprio de atividade empresária), o que é muito difícil de estabelecer na prática, pois: (1)  sempre haverá algum grau de organização dos fatores de produção na atividade intelectual, ainda que rudimentar; (2) é grande o intervalo ou a “zona cinzenta” entre aquilo que se pode considerar uma atividade organizada em forma de empresa e aquela que não se enquadraria nesse requisito.

Para verificarmos a imprecisão do conceito de “elemento de empresa” basta perguntarmos: um grande escritório de advocacia, cuja atividade seja altamente organizada, será considerado atividade empresarial? E uma clínica médica ou laboratório em situação similar? A partir de que grau de organização teremos uma atividade econômica sujeita ao regime jurídico empresarial?

O problema com o art. 3º do PLCCom é limitar a exclusão da atividade intelectual do regime jurídico empresarial somente quando seja exigida formação superior daqueles que a exercem.

Vejamos.

Ao interpretar literalmente o art. 3º do PLCCom, excluímos desde logo do regime empresarial atividades como a advocacia, a medicina, a engenharia, a contabilidade entre outras que exigem formação superior para seu exercício. No entanto, existem inúmeras atividades de natureza técnica, muitas vezes ligadas às ciências supracitadas (ou que compartilham competências e órgãos fiscalizatórios comuns), que não exigem formação profissional superior daqueles que se dispõem a exercê-las. Essas atividades técnicas de nível médio, portanto, estariam sujeitas ao regime empresarial, por se situarem fora da exclusão do art. 3º do PLCCom.

A aplicação do dispositivo em comento a esses dois tipos de profissionais (os que têm e os que não têm formação superior) geraria situações aparentemente injustificáveis. Analisemos a hipótese seguinte: dois engenheiros, ao formarem uma sociedade cujo objeto seja a prestação de serviços de engenharia de segurança do trabalho, estariam fora do regime empresarial (não se sujeitariam à falência, seu registro não seria na Junta Comercial, etc.). Se a sociedade fosse constituída por técnicos de segurança do trabalho, para a prestação de serviços no âmbito de competência destes profissionais (que possui muitos pontos comuns com a engenharia de segurança), estaria enquadrada no regime empresarial, com as consequências daí advindas. O mesmo se diga quanto aos contadores e aos técnicos de contabilidade, quanto aos enfermeiros e os auxiliares de enfermagem, entre outros profissionais em situação similar.

A distinção de regime anteriormente aludida entre categorias profissionais de nível superior e nível médio não se revela, em princípio, justificável.

Parece-nos, portanto, que a exclusão das atividades intelectuais do regime jurídico empresarial ou se faz por completo (abrangendo todas as atividades desse gênero, com ou sem formação superior) ou não se faz (unificando todas as atividades econômicas no mesmo regime empresarial). Por essa razão, entendemos que a exigência de formação superior constante do art. 3º do PLCCom deve ser suprimida.

Do art. 4º ao art. 8º, o PLCCom trata dos princípios informadores do Código Comercial, dentre eles, o da liberdade de iniciativa, o da liberdade de competição e o da função social da empresa.

A fixação desses princípios no corpo do PLCCom é de suma importância e, sem dúvida, vem reforçar as bases que informam e sobre as quais trabalha o Direito Empresarial. É bem verdade que os princípios mencionados não são propriamente novidades em nosso sistema. Muitos deles já constavam da própria Constituição Federal. No entanto, sua explicitação legislativa, juntamente com o esclarecimento das consequências práticas da respectiva aplicação, é algo que se deve reconhecer como meritório no projeto.

Para melhor entendimento da matéria, traremos a tabela seguinte:

Princípio

Consequência definida no PLCCom

Possível repercussão prática

Liberdade de iniciativa e liberdade de competição

Imprescindibilidade, no sistema capitalista, da empresa privada para o atendimento das necessidades de cada um e de todos;

 

Lucro obtido com a exploração regular e licita de empresa como o principal fator de motivação da iniciativa privada;

 

Importância, para toda a sociedade, da proteção jurídica liberada ao investimento privado feito com vistas ao fornecimento de produtos e serviços, na criação, consolidação ou ampliação de mercados consumidores e desenvolvimento econômico do país; e

 

Empresa privada como importante polo gerador de postos de trabalho e tributos, bem como fomentador de riqueza local, regional, nacional e global.

 

Constatação e fixação como princípio que a atividade empresária não visa unicamente aos interesses individuais do empresário, mas   que possui inegável repercussão social e que serve à sociedade como um todo;

 

Reconhecimento do lucro lícito como força motivadora da atividade empresarial e não como algo a ser rejeitado ou banido;

 

Reconhecimento que a legislação empresarial é responsável por grande parte dos elementos incentivadores ao investimento;

Função social da empresa

A empresa cumpre sua função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do pais, ao adotar práticas empresariais sustentáveis visando  à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com  estrita obediência às leis a que se encontra sujeita.

 

Reconhecimento expresso do princípio da função social da empresa;

 

A generalidade do princípio da função social deve ser bem delimitada pelas leis (ambientais, consumeristas, tributárias, etc.), sob pena de ser aplicado indistintamente, sem previsão clara de suas consequências.

O empresário: disposições gerais

A partir do art. 9º, o PLCCom passa a tratar do empresário.

O art. 9º e o art. 10 não contêm novidades sob o ponto de vista da evolução doutrinária da matéria.

A forma de redação do art. 9º, porém, parece admitir alguma melhora. Vejamos a redação a seguir:

Art. 9º. Empresário é quem, sendo pessoa física ou sociedade, está inscrito como  tal no Registro Público de Empresas.

A lição doutrinária  que nos traz sobre este dispositivo o autor do projeto, Prof. Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra Princípios do Direito Comercial (Saraiva, 2011, p. 76), é a de que o critério formal adotado para a definição de empresário traz certa segurança, uma vez que baliza a aplicação de outros dispositivos unicamente aos empresários (p.ex.: as disposições do PLCCom referentes aos contratos empresariais) . Ressalva o autor que o critério utilizado não exclui do âmbito de aplicação do PLCCom os empresários irregulares, embora o próprio autor entenda que tal redação deva ser melhorada para tornar-se mais clara.

É de se concordar com o Prof. Fábio Ulhoa Coelho nesse aspecto. Ele mesmo, na obra que serviu de base (anteprojeto) para o PLCCom (O futuro do Direito Comercial, Saraiva, 2011, p. 16) trazia definição mais consentânea com a realidade para o que se entende por empresário, dizendo de modo simples e claro no art. 6º que “Empresário é quem explora profissionalmente empresa”.

É importante salientar isso porque, da forma que está redigido, o art. 9º parece dizer que o registro é constitutivo da qualidade de empresário, ou seja, estaria o registro a determinar quem é empresário e quem não é. Na verdade, porém, o registro é meramente declaratório da qualidade de empresário: é o exercício da atividade empresarial de modo organizado e profissional que determina a submissão ao regime empresarial e não o respectivo registro.

Outra questão: com a edição da Lei 12.441/11, que criou entre nós as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI), passou a existir a possibilidade de pessoas jurídicas não societárias (mas constituídas por ato unilateral de seu titular) exercerem atividade empresária. Assim, seria mais adequado, a nosso ver a utilização do vocábulo “pessoa jurídica”, ao invés de “sociedade”, no art. 9º, mesmo que o PLCCom não se refira às EIRELIs nem diga expressamente se tal tipo empresarial estará revogado com sua entrada em vigência.

Desse modo, entendemos que haveria melhoria redacional no art. 9º  com o seguinte texto:

Art. 9º. Empresário é quem, sendo pessoa física ou jurídica, explora profissionalmente empresa.

§1º Entende-se como empresário regular aquele que, na situação definida no “caput” deste artigo, encontra-se inscrito no Registro Público de Empresas da respectiva sede (art. 14).

§2º Quem explora empresa (art. 2º) sem prévia inscrição no Registro Público de Empresas não pode invocar sua condição irregular para furtar-se à aplicação deste Código (Sugestão do Prof. Fábio Ulhoa Coelho ao artigo em comento).

Ao art. 10, cuja redação é: “O empresário pode ser pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária)”, deveríamos renovar a observação a respeito das EIRELIs. No sistema do PLCCom, tal tipo empresarial não é previsto. No entanto, por ser posterior ao PLCCom, também não foi revogado por este. Assim, conforme seja a opção do legislador (manutenção ou revogação das EIRELIs), será devida reforma redacional no art. 10, para incluí-las no rol de pessoas jurídicas ao lado das sociedades.

O art. 11. não traz novidades, mas tem muita relevância na interpretação das normas do projeto, ao assegurar que, “Quando a lei ou este Código estabelecer norma acerca do empresário, ela é aplicável tanto ao empresário individual como a sociedade empresária, salvo se dispuser de outro modo ou decorrer do respectivo contexto a aplicação a uma destas categorias somente”.

De maior importância o disposto no art. 12 do PLCCom, segundo o qual a cooperativa e o exercente de atividade rural serão empresários quando atendido o art. 9º deste Código.

Esse último artigo rompe com a regulação da matéria no Código Civil, que considera as cooperativas como sociedades não empresárias (sociedades simples) independentemente de seu objeto (art. 982, p. único).

Isso, sem dúvida, é um avanço. Não há como se admitir que, entidades como as cooperativas de crédito, que, fazendo parte do Sistema Financeiro Nacional (art. 18, §1º, da Lei 4.595/64), exercendo atividade privativa de instituição financeira e se sujeitando à intervenção e liquidação extrajudicial pelo BACEN, não sejam consideradas empresárias pelo Código Civil.

O mesmo se diga quanto ao empresário rural. Não há mais motivo para possibilitar a esta classe de empresários que voluntariamente escolham seu regime jurídico (empresarial ou não), nos termos constantes do art. 971 do CC. Exercendo atividade empresarial, este deve ser seu regime, sem qualquer opção.

O empresário individual: inscrição

Os arts. 14 e 15 não trazem maiores novidades. Seguem basicamente o regime hoje existente nos arts. 967 e 968 do CC. A única mudança relevante é o reconhecimento das repercussões da união estável homoafetiva no Registro de Empresas, o que é um avanço.

Entendemos que a redação dos §§§ 3º, 4º e 5º do CC poderiam ser transpostas ou adaptadas ao PLCCom, por tratar de matérias não abrangidas pelos arts. 14 e 15.

Veja a redação comparativa a seguir:

PLCCom

Código Civil

Art. 14. E obrigatória a inscrição do empresário individual no Registro Público de Empresas da respectiva sede, antes do inicio de sua atividade empresarial.

Art. 15. A inscrição do empresário individual faz-se mediante arquivamento de  requerimento que contenha:
I . o nome, nacionalidade, domicilio e estado civil;
II . o nome empresarial;
III . a atividade principal e a sede da empresa;
IV . declaração de exercício da empresa em regime fiduciário, se for o caso; e
V . a assinatura do requerente.


§1º. A alteração nas informações constantes da inscrição faz-se mediante arquivamento de comunicação do empresário individual ao Registro Público de Empresas.

§2º. Se o requerente for casado, mencionara o  nome e qualificação do cônjuge e o  regime de bens do casamento; se mantiver união estável ou relacionamento duradouro e público com pessoa do mesmo sexo destinado a constituição de família, mencionara o nome e qualificação do companheiro.

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

 

Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que contenha: 

I - o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; 

II - a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; 

III - o capital; 

IV - o objeto e a sede da empresa.

 

§ 1º. Com as indicações estabelecidas neste artigo, a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis, e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos.

 

§ 2º. À margem da inscrição, e com as mesmas formalidades, serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes.

 

§ 3º. Caso venha a admitir sócios, o empresário individual poderá solicitar ao Registro Público de Empresas Mercantis a transformação de seu registro de empresário para registro de sociedade empresária, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).

§ 4º. O processo de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor individual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, bem como qualquer exigência para o início de seu funcionamento deverão ter trâmite especial e simplificado, preferentemente eletrônico, opcional para o empreendedor, na forma a ser disciplinada pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios - CGSIM, de que trata o inciso III do art. 2o da mesma Lei. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 5º. Para fins do disposto no § 4º, poderão ser dispensados o uso da firma, com a respectiva assinatura autógrafa, o capital, requerimentos, demais assinaturas, informações relativas à nacionalidade, estado civil e regime de bens, bem como remessa de documentos, na forma estabelecida pelo CGSIM.(Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)


Terminando a seção, o art. 16. define empresário individual irregular como o que explora atividade empresarial sem  que se encontre regularmente inscrito no Registro Público de Empresas, conceito este há muito tempo presente em nossa doutrina.

Já o art. 17 tem o mérito de reunir as supostas sanções aos empresários irregulares, ressaltando que, além de outros impedimentos e sanções derivados da falta da inscrição no Registro Público de Empresas, o empresário individual irregular não pode: I. requerer a falência de outro empresário; II . requerer a recuperação judicial ou a homologação judicial de recuperação  extrajudicial;  III . autenticar seus livros e documentos no Registro Público de Empresas.

Como o próprio artigo diz, as proibições elencadas são exemplificativas. Desse modo, embora possamos pensar em outras consequências da irregularidade empresarial (crimes falimentares, arbitramentos tributários pela escrituração irregular, etc.), não vemos necessidade de que sejam incluídos no dispositivo em comento, pois sua redação já se encontra aberta a outras hipóteses.

O empresário individual: capacidade e impedimentos

A disciplina da capacidade para o exercício da atividade empresarial segue no PLCCom modelo muito parecido ao do Código Civil. Vejamos novamente a redação comparativa dos dois diplomas, para,a seguir, apurarmos as distinções:

PLCCom

Código Civil

Art. 18. Podem exercer a atividade de empresário individual os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.

 

Art. 19. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.

 

§1º. Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, apos exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continua-la. 

 

§2º. A autorização pode ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos de terceiros. 

 

§ 3º O juiz poderá determinar que a exploração da empresa seja feita em regime  fiduciário.

 

§4º Mesmo não sendo a exploração da empresa feita em regime fiduciário, não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.

 

Art. 20. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição  de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz,  um ou mais gerentes.

§1º. Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz  entender conveniente.

§2º. A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados.

 

Art. 21. A emancipação e a autorização do incapaz, e eventual revogação desta,  será arquivada no Registro Público de Empresas.

 

Art. 22. A pessoa física legalmente impedida de exercer atividade própria de  empresário, se a exercer, responde pelas obrigações contraídas e sujeita-se as sanções  previstas em lei.

 

Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.

                                                                         

Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas.

                                                                              

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.

 

§ 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.

 

§ 2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.

 

§ 3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos: (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

 

I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

II – o capital social deve ser totalmente integralizado; (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

 

Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes.

 

§ 1º Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente.

 

§ 2º A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados.

 

Art. 976. A prova da emancipação e da autorização do incapaz, nos casos do art. 974, e a de eventual revogação desta, serão inscritas ou averbadas no Registro Público de Empresas Mercantis.

 

Parágrafo único. O uso da nova firma caberá, conforme o caso, ao gerente; ou ao representante do incapaz; ou a este, quando puder ser autorizado.

Algumas distinções são visíveis na tabela acima, dentre as quais podemos citar:

  1. Não há na regulamentação do CC o exercício da empresa em caráter fiduciário, que consiste, na forma que veremos mais adiante, na constituição de um patrimônio separado para o exercício da atividade empresarial. Isso é relevante, pois no regime do CC, a proteção somente se dá ao patrimônio anterior do incapaz. No regime fiduciário, podem ser incluídos ao patrimônio separado bens adquiridos posteriormente ao exercício da atividade;
  2. O PLCCom não absorveu as inovações da Lei 12.339/11, que permitiram que incapazes pudessem ser sócios, desde que, cumulativamente: não exercessem a administração, o capital estivesse integralizado e fosse representado ou assistido nos atos praticados. No entanto, consta no art. 183 do PLCCom que a exigência de que, em havendo incapaz entre os sócios, o contrato social de uma sociedade limitada somente será arquivado na Junta Comercial se o capital social estiver totalmente integralizado. Seria interessante acrescer ao art. 183 do PLCCom o impedimento ao incapaz de administrar a sociedade e a necessidade de assistência ou representação.

O empresário casado

A regulamentação da atividade empresarial por empresário(a) casado(a) também segue muito de perto o que já se encontra no Código Civil. Traremos novamente a redação comparativa dos dois diplomas a seguir, para posteriormente salientar as pequenas distinções.

PLCCom

Código Civil

Art. 23. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer  que seja o regime de bens, alienar os imóveis de seu patrimônio empregados na  exploração da empresa ou gravá-los de ônus real.

 

Art. 24. Além de no Registro Civil, serão arquivados no Registro Público de  Empresas, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o titulo de doação,  herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade. 

 

Art. 25. A sentença que decretar ou homologar o divorcio do empresário não pode  ser oposta a terceiros, antes de arquivada no Registro Público de Empresas.

 

Art. 26. Este Capítulo aplica-se ao empresário que mantem união estável ou  relacionamento duradouro e público com pessoa do mesmo sexo destinado a  constituição de família.

Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.

 

Art. 979. Além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade.

 

Art. 980. A sentença que decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis.

Vejamos as divergências:

  1. A primeira distinção importante em relação aos dois regimes diz respeito, novamente, ao reconhecimento das repercussões da união estável homoafetiva no Registro de Empresas, o que, digamos mais uma vez, é um avanço;
  2. Um ponto distinto é o que o PLCCom não faz mais referência à separação judicial e à reconciliação, mas somente ao divórcio. Talvez essa mudança de tratamento seja derivada da superveniência da Emenda Constitucional n. 66, que deu nova redação ao art. 226, §6º, da CF. Ocorre que, mesmo diante de tal Emenda, doutrina e jurisprudência ainda não se pacificaram quanto à revogação do instituto da separação judicial, havendo vários doutrinadores e acórdãos que entendem que tal forma de dissolução da sociedade conjugal ainda esteja em vigor. Seria de bom tom, portanto, que o PLCCom ainda fizesse menção a tais institutos, para evitar dúvidas posteriores.


Exercício da empresa em regime fiduciário

Uma das mais importantes novidades do PLCCom é concernente ao exercício da empresa em regime fiduciário, cuja possibilidade, se dá nos termos do art. 27 do projeto, verbis: “O empresário individual poderá, mediante declaração feita ao se inscrever no Registro Público de Empresas, exercer sua atividade em regime fiduciário”.

Trata-se da criação de um patrimônio separado, constituído pelos ativos e passivos relacionados diretamente a atividade empresarial (art. 28 do PLCCom).

Afinal, o que seria um patrimônio separado?

Na lição do ilustre Prof. português Manuel A. Domingues de Andrade, tem-se patrimônio separado como:

[O] conjunto patrimonial a que a ordem jurídica da um tratamento especial, distinto do do restante patrimônio do titular, sob o ponto de vista da responsabilidade por dívidas […].

[P]ara tanto, e ainda em harmonia com o critério indicado, importará que o núcleo patrimonial em questão só responda e responda só ele por certas dívidas (g.n.). (Teoria Geral da Relação Jurídica. Coimbra, 1987, p. 219).

Em outras palavras, trata-se de um patrimônio (menor) inserido dentro de outro patrimônio (maior) de um mesmo titular. Essa parcela patrimonial menor responderá somente por algumas dívidas de seu titular (empresário), quais sejam, as dívidas provenientes do exercício da atividade. E por tais dívidas só o patrimônio separado responderá, excluindo qualquer outro em que esteja inserido.

Esse aspecto vem bem salientado no art. 32 do PLCCom:

Art. 32. Na execução judicial contra o empresário individual que explora a empresa em regime fiduciário, em se tratando de obrigação relacionada a atividade empresarial, só podem ser penhorados e expropriados os bens do patrimônio separado.
§1º. Os bens do patrimônio separado não podem ser judicialmente penhorados e expropriados para a satisfação de obrigação passiva componente do patrimônio geral do empresário individual.

Representando graficamente, teríamos o seguinte:

Empresa em regime fiduciário - patrimônio separado


Deve-se salientar que o patrimônio separado não é estanque, ou seja, ele deve sofrer, naturalmente, modificações com o tempo, seja pelas perdas ou desvalorizações de bens, seja pelos acréscimos patrimoniais. Nesse sentido, o art. 29 do PLCCom estabelece que ao patrimônio separado poderá o empresário individual transferir dinheiro, crédito de que seja titular ou bem de seu patrimônio geral, a titulo de ”capital investido” na empresa.

Dadas as mutações patrimoniais e o fato de que os credores não terão acesso ao patrimônio geral do empresário que exercer sua atividade em regime fiduciário, o art. 30 do PLCCom estabelece que o empresário individual que explora a empresa em regime fiduciário é  obrigado ao levantamento de demonstrações contábeis periódicas, em cujo balanço  patrimonial serão apropriados unicamente os elementos do patrimônio separado. Na mesma linha, o paragrafo único do mesmo artigo dispõe que para o regime fiduciário produzir efeitos perante terceiros, o  empresário deve arquivar no Registro Público de Empresas as demonstrações contábeis a que esta obrigado.

Permite o art. 31 do PLCCom  que haja a transferência de lucros ao patrimônio geral do empresário, asseverando que o resultado líquido da atividade empresarial, apurado anualmente, poderá  ser, no todo ou em parte, transferido pelo empresário ao patrimônio geral, segundo o  apropriado na demonstração de resultado do exercício. Dada a impossibilidade, muitas vezes, de que se aguarde o final do exercício para o levantamento das demonstrações, o paragrafo único do artigo em comento possibilita a realização de antecipações em periodicidade inferior a anual,  demonstradas em balancetes de resultado levantado na data da transferência.

Uma pequena correção ao p. único do art. 31 do PLCCom merece ser feita: sob o ponto de vista contábil, o resultado da atividade empresarial não é apurado em balancete, mas em demonstração de resultado com periodicidade inferior ao exercício anual. Cabe, portanto, uma retificação na nomenclatura utilizada.

Um aspecto final merece ser dito. É que o §2º do art. 32 do PLCCom estabelece, em suma, que a separação patrimonial não se aplica às obrigações de natureza trabalhista e tributaria,  sejam ou não relacionadas diretamente com a atividade empresarial. Parece-nos esta uma séria brecha ao projeto, que acaba por diminuir muito a eficácia do patrimônio separado em proteger o empresário individual dos riscos e incertezas advindos da atividade. Com efeito, a prática revela que é justamente na área tributária e na área trabalhista que o empresário vem necessitando de maior proteção e, portanto, de maior segregação de riscos. Ademais, excluir tais credores da proteção conferida pelo patrimônio separado é praticamente esvaziar o instituto. Assim, entendemos que §2º do art. 32 do PLCCom deva ser suprimido.

Classificação dos empresários segundo o porte

Nos termos do art. 33 do PLCCom, segundo o porte, classificam-se os empresários em:  I. microempresário; II . empresário de pequeno porte; III . empresário médio; e IV . empresário de grande porte. Referindo o paragrafo único do mesmo artigo que os critérios para a classificação do empresário ou da sociedade empresaria segundo o porte são os fixados nas respectivas leis especificas.

Tais critérios, nos termos da legislação atual, podem ser vistos resumidamente no esquema gráfico seguinte:

classificação dos empresários segundo o porte

Veja-se que o PLCCom introduz um campo residual na classificação citada, qual seja, o empresário de médio porte, que não tem definição em nossa legislação atual.

Deve-se dizer que o PLCCom não faz referência à categoria do microempreendedor individual (MEI), categoria esta criada pela Lei Complementar 123/06, art. 18-A, §1º, para sujeitar o empreendedor individual de pequeno porte a regime simplificado. Segundo o artigo citado, “[C]onsidera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo”.

Dessa maneira, seria recomendável a menção no o PLCCom ao MEI, para criar nova categoria entre as anteriormente mencionadas.

O art. 34 é de pouca relevância, ressaltando algo já conhecido, ao dizer que o microempresário e o empresário de pequeno porte gozam de tratamento  jurídico diferenciado, com o objetivo de incentivar seu desenvolvimento, na forma da  lei, consistente na simplificação, eliminação ou redução de obrigações administrativas,  tributarias, previdenciárias e creditícias.

No entanto, no regime das normas do PLCCom, o art. 35 restringe tal tratamento diferenciado, ao dispor que, nas relações regidas por este Código, o microempresário e o empresário de  pequeno porte gozarão somente de tratamento jurídico diferenciado quando  expressamente previsto.

Norma de maior relevância está o art. 36 do PLCCom, determinando que as sociedades empresarias de grande porte são obrigadas a publicarem as  demonstrações contábeis nos veículos eletrônicos do Diário Oficial e de jornal de  grande circulação.

Esse é ainda um tema extremamente polêmico. Isso porque a Lei 11.638/07 determinou que as sociedades de grande porte seguissem os critérios contábeis determinados na Lei 6.404/76 e tivessem suas demonstrações auditadas por auditor inscrito na CVM, sem determinar expressamente, em contrapartida, que tais sociedades publicassem suas demonstrações contábeis.

Alguns doutrinadores (cf. CARVALHOSA, Modesto. “A nova legislação contábil e as limitadas”. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br>. Acesso em: 9 jan. 2010), defenderam que a necessidade de publicação estaria implícita na norma. Outros, porém, recusaram tal obrigatoriedade, baseados no fato de que qualquer obrigação deveria constar expressamente da lei, além de não haver sentido em determinar a publicação de demonstrações de sociedades que não captam recursos do público investidor.

Mesmo sem entrar na polêmica quanto à necessidade de publicação das demonstrações (ou seja, mantendo a obrigatoriedade instituída pelo PLCCom), é certo que ao menos num ponto o art. 36 merece reforma.

Com efeito, referimo-nos à exigência de que as publicações se façam nos veículos eletrônicos do Diário Oficial e de jornal de grande circulação. Efetivamente, embora substituído o meio papel pelo meio eletrônico, foi mantida no PLCCom a obrigatoriedade da publicação em jornais oficiais ou de grande circulação.

Porém, entendemos que não mais se justifica a necessidade de publicação em periódicos, mesmo eletrônicos, medida que tende a gerar enormes e desnecessários custos. Bastaria, para alcançar os mesmos fins, que a sociedade de grande porte publicasse suas demonstrações em seu site na internet.

É bem verdade que o próprio PLCCom admite a hipótese de publicação única em sites em suas disposições transitórias (art. 660). Contudo, elenca duas restrições: (1) não menciona as sociedades de grande porte; (2) subordina a publicação unicamente em site próprio à futura regulamentação da matéria pelo Poder Executivo.

Propomos, portanto, uma nova redação ao art. 36 do PLCCom, nos seguintes termos:

Art. 36. As sociedades empresárias de grande porte são obrigadas a publicarem as demonstrações contábeis nos veículos eletrônicos do Diário Oficial e de jornal de grande circulação.

Parágrafo único. Será lícito às sociedades de grande porte substituírem as publicações mencionadas no “caput” deste artigo pela apresentação das demonstrações contábeis legalmente exigidas em sítio regularmente mantido na rede mundial de computadores (internet), com endereço de domínio claramente relacionado ao nome empresarial inscrito no Registro de Empresas e acessível ao público sem restrições.

Saliente-se que a publicação em endereço eletrônico da sociedade não restringe a publicidade das demonstrações. Ao contrário, aumenta sua visibilidade. De fato, dificilmente os destinatários das demonstrações contábeis (investidores, credores e demais usuários) se dirigem à imprensa oficial ou aos jornais de grande circulação para acessarem os dados das demonstrações contábeis que lhes interessam. O mais usual é justamente que tais relatórios sejam buscados na internet por endereço ou argumento de busca relacionado ao nome empresarial da sociedade.

A inserção do parágrafo único acima proposto, portanto, aumenta a publicidade e reduz muito os custos das publicações.


[1] Veja-se o art. 2.238 do Código Civil Italiano: “Rinvio. Se l'esercizio della professione costituisce elemento di un'attività organizzata in forma d'impresa, si applicano anche le disposizioni del Titolo II (2082 e seguenti). In ogni caso, se l'esercente una professione intellettuale impiega sostituti o ausiliari, si applicano le disposizioni delle Sezioni II, III e IV del Capo I del Titolo II (2094 e seguenti)”.

[2] Tanto assim que nos ordenamentos jurídicos de base anglo-saxônica, não é comum a exclusão das atividades profissionais de natureza intelectual do rol das atividades empresárias.

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4 comentários:

  1. Guilherme Luis Gutjahr28 de fevereiro de 2012 às 21:52

    Excelente artigo! Já passou da hora da legislação incentivar (e não travar!) o empreendedorismo e o crescimento da atividade empresarial no país, o que certamente é caminho para o desenvolvimento tanto social como econômico.

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    1. Obrigado Guilherme!

      A intenção foi realizar uma análise objetiva dos avanços e dos pontos em que nossa legislação ainda pode avançar para estimular nosso crescimento econômico, por intermédio do incentivo ao empreendedorismo.

      Grande abraço.

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  2. Prof. Demetrius,

    Excelente texto. A atividade empresarial carece de uma legislação mais objetiva para permanecer com os seus anseios. Observa-se que os princípios e pressupostos que caracterizam as relações jurídicas comerciais vem a cada dia perdendo espaço para outros ramos jurídicos. No campo das obrigações e contratos é onde se facilmente se vislumbra isto. Ora, atualmente ao se deparar com um contrato mercantil o juiz tende, em muitas da vezes, a aplicar regras consumeristas ou cíveis, esquecendo-se que os princípios norteadores da relação mercantil são diversos. Sendo assim, válido que haja uma nova relação para assegurar a aplicação normativa correta às relações mercantis, sob pena destas se perderem. Como me falou um grande amigo, o Código Comercial trata, em verdade, de uma necessidade política para assegurar o direito empresarial.

    Pertinente a observação feita ao art. 3º. Vejo que o art. 3º também esqueceu de mencionar os artesões e artistas, assim como cientistas. Outrossim, esse Regime fiduciário, que seria uma afetação de patrimônio, pelo que percebo, pretende suceder a EIRELI, pois visa limitar o patrimônio do Empresário Individual, contudo, realmente, se forem excluídas desse regime as dívidas fiscais e trabalhistas tornar-se-a norma sem efeito prático. É necessário lembrar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção no sistema, sendo a limitação da responsabilidade a regra, deixando claro os preceitos da teoria maior e teoria menor da desconsideração.

    Belo trabalho Professor.Parabéns.

    Vou indicar a leitura aos meus alunos.

    Forte abraço,

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    1. Caro Prof. Ricardo:

      Agradeço pelos elogios. Suas observações, igualmente, somam-se às presentes no texto e o engrandecem. Seja sempre bem-vindo por aqui.

      Grande Abraço!

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