Ser empresário no Brasil

Ser empresário no BrasilEmpresariar não é tarefa fácil. Quem já decidiu montar um negócio, empreender, produzir algo relevante, inovar, empregar pessoas, movimentar a economia e ter orgulho de levar a vida dessa forma sabe bem que as possibilidades de êxito no empreendimento costumam vir acompanhadas de inúmeras dificuldades.

Enfrentar os dissabores de exercer  uma atividade empresária no Brasil, porém, parece exigir um plus de risco e sacrifício.

Neste artigo, o Prof. Alexandre Demetrius Pereira analisa algumas das dificuldades que a atividade empresária encontra em nosso país, pontos que estão a exigir pronta atenção e mudança.

Ser empresário no Brasil pode dar ótimos resultados, por certo. É inegável o amadurecimento de nosso país e de nossa cultura em relação ao empreendedorismo e há inúmeros casos de empresários de sucesso. É fato, igualmente, que nos últimos anos o Brasil atraiu diversos investimentos de caráter empresarial oriundos de outros países.

Por outro lado, é muito difícil negar que, entre nós, empreender ainda seja uma tarefa quase hercúlea, principalmente para aquele que se dispõe a iniciar um novo negócio. Continuamos a enfrentar sérios problemas burocráticos, jurídico-legais, além dos custos excessivos.

Propomo-nos, neste artigo, a tratar de alguns dos problemas enfrentados nesse tormentoso assunto.

Altos lucros. Lucros excessivos.

É muito comum ouvirmos comentários sobre a instituição do LUCRO. Eternas discussões se perpetuam sobre essa figura. Alguns reputam-no verdadeiro pecado. Outros, conceituam-no como fruto da exploração capitalista selvagem, apropriação da mais-valia, etc. Há aqueles que meramente o proclamam como algo tolerável, mas nunca a ser estimulado.

Obviamente, não vamos tratar dessas questões aqui, uma vez que as discussões sobre o tema são infindáveis. No entanto, sob o ponto de vista prático, devemos verificar  a procedência da afirmação frequentemente ouvida entre nós, segundo a qual empresários usualmente têm lucros altos, abusivos e excessivos.

Essa afirmação, certamente, não pode ser contestada em todos os casos. Afinal, fatalmente encontraremos hipóteses em que os lucros poderão ser conceituados como arbitrários, abusivos ou excessivos (quando deverão ser tomadas as medidas jurídicas cabíveis para serem coibidos). [1]

Mas, para ingressar em questões de cunho prático, devemos inserir aqui, uma pergunta feita originariamente pelo Prof. Stephen Kanitz: Quanto você acha que é o lucro médio das maiores empresas nacionais? Em outras palavras, estando na média dos 500 maiores  empresários brasileiros, qual percentual de seu faturamento ou de suas receitas irá retornar como lucro?

Segundo o Prof. Stephen Kanitz, certamente uma das maiores autoridades no assunto, temos a resposta à indagação anterior no seguinte artigo, publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição 1817, ano 36, nº 34 de 27 de agosto de 2003, página 20 (clique aqui para ver o original no blog do Prof. Kanitz). Segundo o artigo mencionado, “o lucro médio das 500 maiores empresas do país nos últimos dez anos foi de 2,3% sobre as receitas”,

Admitindo corretos os dados do Prof. Kanitz, ao faturar R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em média, um empresário brasileiro irá se apropriar, a título de lucro, de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais). Se faturar R$ 100.000,00 (cem mil reais), ficará com um lucro de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais).

Talvez o leitor questione as conclusões do artigo supracitado. Talvez entenda que, como o artigo menciona e admite, haja atividades que superarem a média citada, já que a realidade aparentemente demonstra que muitos empresários o fizeram.

Mas não é muito difícil obter alguns dados que aparentemente confirmam as conclusões do Prof. Kanitz. Para tanto, pesquisamos alguns sites de companhias que compõem o índice do IBOVESPA, para verificar quanto foram suas margens líquidas de lucro no exercício de 2010. Escolhemos três companhias ao acaso, de setores diversos, verificando os dados publicados em suas demonstrações financeiras (em milhares de reais). Os resultados (receitas líquidas, lucros líquidos e respectivas margens líquidas) podem ser vistos na tabela seguinte (as companhias são identificadas apenas pelo setor em que atuam):

Setor da companhia

 Receita líquida (RL)

 Lucro Líquido (LL)

Margem líquida (LL/RL) em %

Tecnologia

            2.328.135,00

              89.196,00

3,83%

Eletricidade

            6.508.584,00

              575.150,00

8,84%

Construção civil

                928.637,00

              137.363,00

14,79%

Os dados da tabela anterior aparentemente não destoam do que o Prof. Kanitz concluiu.

No entanto, há ainda mais um dado a considerar, mesmo que um determinado empresário pense em superar a margem de lucro média das maiores empresas nacionais: a taxa de juros praticada no Brasil.

No momento em que se escreve este artigo, a taxa SELIC, que representa, em última análise, os juros que o governo brasileiro paga por grande parte dos títulos representativos de sua dívida, está em 12% a.a. (ao ano). Dessa forma, vamos analisar:

  1. Como se sabe, ao adquirir títulos do governo, remunerados pela taxa SELIC, o investidor enfrenta apenas o chamado risco soberano, ou seja, o risco de que o governo brasileiro não pague suas obrigações em seu vencimento;
  2. Tal risco (soberano), obviamente, é muito menor do que os riscos enfrentados na atividade empresarial;
  3. Ao aplicar seu dinheiro numa atividade empresarial, portanto, o investidor supostamente irá ponderar quais as alternativas de remuneração para seu capital, considerando, dentre elas, o risco e o retorno de cada qual.

Com base nessas premissas, respondamos às seguintes questões:

  1. Qual alternativa seria mais vantajosa: investir num título do governo (de baixo risco) que remunera o investidor em 12% a.a. ou investir numa atividade empresarial (de alto risco) que remunera em média em 2,3% a.a.?
  2. Quanto um investidor exigiria acima da taxa SELIC para investir numa atividade empresarial (de risco)?

Certamente, a resposta à primeira questão é um tanto óbvia: nessas condições, investir em títulos do governo seria mais vantajoso do que numa atividade empresarial de caráter produtivo.

Em relação à segunda questão, a resposta contém grande subjetividade: cada leitor avaliaria o risco de uma forma peculiar e exigiria patamar diverso para investir suas economias numa atividade empresarial. O certo é que, para que o fizesse, as vantagens a serem oferecidas pelo empreendimento deveriam ser muito substanciais para superar a taxa oferecida pelos títulos do governo.

Veja-se, por exemplo, o melhor resultado apresentado na tabela anterior (14,79% de margem líquida): para superar apenas em 2,79% a taxa SELIC atual, o investidor enfrentou todos os riscos de um negócio no mercado.

Cabe perguntar ao leitor: você investiria suas economias em um negócio de risco para obter 2,79% a mais do que a taxa SELIC? Possivelmente não. Daí concluirmos que as atividades empresariais produtivas no Brasil pagam um alto preço para conseguir se desenvolver e, mesmo conseguindo lucros maiores, não apresentam muita atratividade no cenário atual.

Perdendo mais que o investimento

Outra  informação que devemos verificar é aquela segundo a qual, aplicando suas economias numa atividade empresarial, o investidor pode perder mais do que o montante investido. Em outras palavras, as atividades empresárias podem implicar perda do patrimônio pessoal (não investido) daquele que nelas ingressa.

Imagine o leitor que tenha guardado algumas economias. Vamos supor que essa poupança de toda a vida totalize R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Como seu negócio está no início e você vai explorá-lo individualmente, decide ser um dos primeiros a constituir uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), novidade no ordenamento brasileiro, prestes a entrar em vigor, criada para reduzir os riscos do empreendedor individual (clique aqui para obter mais informações a respeito das EIRELIs).

Para constituir a EIRELI, será necessário aplicar um capital de 100 salários mínimos (hoje equivalente a R$ 54.500,00).

Pois bem. Se o negócio não der bons resultados e, na tentativa de fazê-lo deslanchar, forem contraídas dívidas com o fisco, fornecedores, trabalhadores e consumidores, no valor de R$ 200.000,00 (nada menos que todas as economias citadas no exemplo), o leitor poderá perder tudo que economizou, mesmo se investiu apenas parte de seu patrimônio no negócio.

Graças ao uso indiscriminado em nossa legislação  - e nas decisões do Poder Judiciário - da chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica (clique aqui para obter mais informações sobre essa teoria), inclusive para os casos de mera insolvência (mesmo sem prova de fraude), o patrimônio pessoal do leitor pode ser atingido pelas dívidas da pessoa jurídica constituída para explorar a atividade empresarial.

Além disso, não há tipos societários em nosso ordenamento que protejam o investidor contra a desconsideração. Em tese, todos os tipos societários estão sujeitos à aplicação dessa teoria.

Vejam-se algumas decisões a seguir:

TRT – 2ª Região

TIPO: AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO

DATA DE JULGAMENTO: 07/10/2003

RELATOR(A): FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO

REVISOR(A): CARLOS ROBERTO HUSEK

ACÓRDÃO Nº: 20030544909

PROCESSO Nº: 46305-2003-902-02-00-4 ANO: 2003 TURMA: 4ª

DATA DE PUBLICAÇÃO: 17/10/2003

EMENTA:

ILEGITIMIDADE DE PARTE E OS EMBARGOS DE TERCEIRO. 1. Pela desconsideração da personalidade jurídica, além da natureza privilegiada do crédito trabalhista, os sócios respondem pela execução trabalhista, podendo e devendo o Judiciário Trabalhista imputar os seus patrimônios particulares. Quando se imputa o patrimônio do sócio, por determinação judicial, o que se tem é uma legitimação passiva extraordinária na ação de execução trabalhista. Por ser uma legitimação passiva extraordinária, o devedor, nos embargos à execução, poderá alega a sua ilegitimidade de parte (art. 741, III, CPC), como também outras matérias, como a nulidade da penhora em face da argumentação de sua impenhorabilidade. Se os sócios respondem pelos créditos trabalhistas da pessoa jurídica, pela desconsideração da personalidade jurídica, não podem utilizar os embargos de terceiro para solicitar a exclusão do bem penhorado. Em prol dessa argumentação, temos a Súmula n. 184, do Superior Tribunal de Justiça, a qual determina: "Em execução movida contra sociedade por quotas, o sócio-gerente, citado em nome próprio, não tem legitimidade para opor embargos de terceiro, visando livrar da constrição judicial seus bens particulares". Portanto, tem-se que a embargante é parte ilegítima. 2. Se não bastassem tais argumentos, os quais implicam na improcedência dos embargos (a legitimidade é matéria de mérito), entendo que a responsabilidade do sócio não se restringe ao período em que o embargado foi empregado da pessoa jurídica (lapso temporal de l.06.91 a 1.11.92). A partir do momento em que a pessoa física, de forma objetiva, passa a ser sócia da pessoa jurídica, assume todos os encargos sociais da mesma. Há duas maneiras para se formular a teoria da desconsideração da personalidade jurídica: a) a primeira a maior, quando o juiz deixa de lado a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, coibindo-se a prática de fraudes e abusos; b) a segunda a menor, em que o simples prejuízo já autoriza o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Pela natureza privilegiada do crédito trabalhista, diante da inexistência de bens da pessoa jurídica, independentemente da existência de fraudes e abusos, o patrimônio dos sócios deve ser imputado. Portanto, sob qualquer enfoque, improcedem os teores do agravo de petição.

 

Tribunal de Justiça de São Paulo

0572030-30.2010.8.26.0000 Agravo de Instrumento

Relator(a): Piva Rodrigues

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 09/08/2011

Data de registro: 22/08/2011

Outros números: 5720303020108260000

Ementa: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - A decisão atacada tem lastro em instituto introduzido pelo sistema protetivo do consumidor (artigo 28, §5º, do CDC), consoante o qual os óbices à satisfação do direito protegido, tais quais a inexistência de bens livres à penhora e a busca infrutífera realizada na sede social, autorizam a medida adotada. Recurso desprovido.

Sem dúvida, a aplicação indiscriminada da teoria da desconsideração aumenta em muito os riscos para os empreendedores e desestimula o ingresso de novos pretendentes.

O problema tributário

O problema referente à carga tributária no Brasil é muito claro para a maioria de nossos cidadãos, que sustentam um governo caro, ineficiente, com altas taxas de desperdício e corrupção. Para isso, paga-se quase 40% do PIB em tributos.

Qualquer dúvida sobre os números de nossa arrecadação, veja o site do Impostômetro.

Para as atividades empresárias, a situação se complica. Empreender no Brasil envolve a necessidade de se informar sobre inúmeros detalhes de uma complexa legislação tributária composta por filigranas espalhadas num sem número de normas editadas por vários órgãos (tais como: lucro real, presumido, arbitrado, deduções permitidas, isenções, imunidades, hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota zero, LALUR, incidências, não incidências, não cumulatividade, multas moratórias, substituição tributária para frente, para trás, drawback, ganhos de capital, lista de serviços, preenchimento de DARF, GARE, GIA, GFIP, etc.). 

Isso implica necessariamente gastos com especialistas pra cuidar somente dessas nuances. Por vezes, é necessária a contratação de equipes multidisciplinares: contadores, advogados, economistas, etc. O custo e o tempo gastos com isso são enormes.

Segundo reportagem da Revista Veja (edição 2236, ano 44, n. 39, 28/09/11, p. 100):

São cobrados no Brasil 63 tributos nas esferas federal, estadual e municipal. Somem-se a eles as normas e portarias, e o heroísmo do empreendedor brasileiro começa a ficar claro. O excesso de impostos mina a energia das empresas, torna um martírio a tarefa de pagá-los e desvia o foco dos brasileiros donos dos próprios negócios. A burocracia brasileira consome 2.600 horas de trabalho por ano – quatorze vezes o tempo dedicado a ela pelos americanos (187 horas), e 21 vezes o dos suecos (122 horas). Das taxas pagas pelos empreendedores, só o ICMS tem 27 legislações – uma para cada estado. Esse imposto, que tributa a circulação de mercadorias, é o de maior impacto negativo na competitividade das empresas. A tributação sobre a folha de pagamento é um estímulo à informalidade - eufemismo para ilegalidade. Os empresários brasileiros pagam tributos equivalentes a 70% do lucro obtido nos negócios – outro absurdo recorde mundial.

E nossa legislação tributária é cada vez mais restritiva com as atividades empresariais. Até mesmo os planejamentos lícitos para evitar a tributação têm  começado a ser questionados (ou ignorados) pelo fisco, que vem a lançar o tributo que entende devido, acompanhado de multa e juros.

A própria postura do Poder Judiciário não tem apresentado muitos freios à voracidade tributária do Estado brasileiro. Grande parte de nossos tributaristas reclamam que o Judiciário, na maioria das vezes, tem concordado frequentemente com as teses do fisco nas questões tributárias.

Ao que parece, pelo menos em algumas hipóteses, o reclamo não é em vão.

Veja-se, por exemplo, a decisão seguinte do STF, que afirmou categoricamente que se parte da hipótese de incidência do tributo (no caso a Contribuição para o Seguro Acidente do Trabalho – SAT) for definida por meio de Decreto ou Regulamento, não haveria qualquer violação do princípio da legalidade ou reserva legal tributária, o que contraria um dos princípios mais basilares do Direito Tributário (g.n.).

RE 455817 AgR / SC - SANTA CATARINA

AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO

Julgamento: 06/09/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação

DJ 30-09-2005 PP-00051 EMENT VOL-02207-06 PP-01215

Ementa

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I. I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89 não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente os desiguais. III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave" não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - RE inadmitido. Agravo não provido.

Além de tudo que se falou até aqui, é bom lembrar que, quando questionado, o fisco costuma ir até a última instância do Poder Judiciário para fazer valer seus direitos. Contando com nosso sistema processual, que permite uma infinidade de recursos e com o fato de que a matéria tributária, em nosso ordenamento, está definida em grande parte na Constituição Federal (permitindo levar a questão ao STF), as causas tributárias podem ser batalhas longas, custosas e cansativas.

Os custos trabalhistas

Também influenciam na atividade empresarial brasileira os custos trabalhistas.

A tabela seguinte, de autoria do ilustre Prof. José Pastore, um dos maiores estudiosos do tema, reflete parcialmente tais custos (clique aqui para ver uma versão anterior desta tabela ou consulte a obra do autor Trabalhar Custa Caro, Ed. LTR, 2007, p.175):

Tipos de Despesas

% sobre o Salário

Grupo A – Obrigações Sociais

 

Previdência Social

20,00

FGTS

8,00

Salário Educação

2,50

Acidentes do Trabalho (média)

2,00

SESI/SESC/SEST

1,50

SENAI/SENAC/SENAT

1,00

SEBRAE

0,60

INCRA

0,20

Subtotal A

35,80

Grupo B –Tempo não Trabalhado I

Repouso Semanal

18,91

Férias

9,45

Abono de Férias

3,64

Feriados

4,36

Aviso Prévio

1,32

Auxílio Enfermidade

0,55

Subtotal B

38,23

Grupo C –Tempo não Trabalhado II

13º Salário

10,91

Despesa de Rescisão Contratual

3,21

Subtotal C

14,12

Grupo D –Incidências Cumulativas

 

Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B

13,88

Incidência do FGTS s/13º sal.

0,93

Subtotal D

14,81

TOTAL GERAL

102,76

Repare que a tabela referida não inclui adicionais de insalubridade, periculosidade, noturno, por horas extras, adicionais ao SAT, juros, honorários de advogado, novos prazos de aviso prévio, etc.

Vendo a tabela acima, fica claro que contratar um trabalhador pode ser muito custoso no Brasil. Se o salário pago for de  R$ 1.000,00, os gastos serão de R$ 2.027,60. Sendo o salário de R$ 20.000,00, o custo trabalhista chegará a R$ 40.552,00.

A seara trabalhista também não está livre de burocracia. Bom exemplo disso está contido nas Normas Regulamentadoras (NRs) editadas pelo Ministério do Trabalho, destinadas à proteção da segurança e saúde no meio ambiente laboral.

Tais normas, evidentemente, são necessárias para proteger a integridade física e a dignidade do trabalhador. Elas existem, com suas peculiaridades, em todos os países desenvolvidos e não devem ser eliminadas, por se constituírem em importante regulação estatal sobre a matéria em análise. No Brasil, entretanto, muitas das obrigações nelas constantes poderiam ser simplificadas.

Com efeito, nos dias de hoje, essas normas consubstanciam um conjunto de 34 NRs, cada uma com grande número de itens (clique aqui para conhecê-las). Para resumi-las, traremos a seguir algumas de suas obrigações:

  • Elaborar ordens de serviço, permissões de trabalho, etc.;
  • Obter a aprovação prévia de seu ambiente de trabalho junto ao Ministério do Trabalho;
  • Promover a eleição da CIPA e o treinamento dos componentes;
  • Contratar, conforme o risco de sua atividade e o número de seus empregados, Técnicos de Segurança, Médicos do Trabalho, Engenheiros de Segurança, Enfermeiros do Trabalho e Auxiliares de Enfermagem do Trabalho para compor o SESMT;
  • Realizar, conforme a hipótese, os programas Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), o Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção (PCMAT), o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o Programa de Proteção de Máquinas, além de elaborar o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o Programa de Conservação Auditiva (PCA) e o Programa de Proteção Respiratória (PPR). Tudo isso sem se esquecer do Laudo Ergonômico, do diagrama unifilar das instalações elétricas e do Prontuário de Instalações Elétricas;
  • Sinalizar as áreas de risco;
  • Realizar Análise Preliminar de Riscos em Higiene Ocupacional;
  • Elaborar levantamentos e avaliações dos agentes nocivos, realizando diversas amostragens, para cada agente, com fundamentação estatística;
  • Sinalizar seu ambiente de trabalho, para os fins de segurança, com as cores e sinais exigidos pela norma NR-26.

Um dos grandes problemas que vêm se desenvolvendo nessa área é que a jurisprudência tem decidido pela aplicação da responsabilidade objetiva (baseada na teoria do risco) a essas questões. Vale dizer que, mesmo que cumpridas as Normas Regulamentadoras pelo empregador, em ocorrendo um acidente ou doença do trabalho e não sendo provadas outras excludentes (p. ex.: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior) o empregador será responsabilizado civilmente e pagará uma indenização de qualquer forma.

Nesse sentido, trazemos a transcrição parcial da ementa do ACÓRDÃO Nº: 20090403864, PROCESSO Nº: 01340-2005-445-02-00-3 ANO: 2007, TURMA: 10ª, DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/06/2009, TRT da 2ª Região:

A responsabilidade do empregador, no caso de acidente de trabalho, decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, que prevê a responsabilidade civil objetiva como forma de obrigação de garantia no desempenho de atividade econômica empresarial, dissociada de um comportamento culposo ou doloso. A teoria do risco da atividade parte do pressuposto de que quem obtém bônus arca também com o ônus. O parágrafo único do art. 927 do Código Civil recepcionou tal teoria em nossa legislação.

A nosso ver, a aplicação desse tipo de responsabilização (objetiva) aos casos de acidente ou doença do trabalho, em detrimento da responsabilização subjetiva (baseada na culpa), dentre outros problemas, acaba por resultar em um desincentivo ao cumprimento das NRs, pois pune o comportamento eficiente do empregador, ou seja, mesmo quando cumpre as normas mencionadas.

Em outras palavras, como já salientamos na obra Tratado de Segurança e Saúde Ocupacional (LTR, v.1.):

Num sistema de responsabilidade objetiva, o empregador é responsável pelo acidente do trabalho, mesmo que este seja oriundo de sua atuação eficiente na eliminação ou neutralização dos riscos da atividade. Assim, um regime de responsabilidade objetiva pode sancionar o empregador mesmo que sua conduta se apresente dentro do que razoavelmente se espera, ou seja, ainda que a conduta do empregador seja devidamente cautelosa, o que não ocorre num sistema de responsabilidade subjetiva. Dessa forma, ao ser responsabilizado praticamente de modo incondicional por qualquer acidente, haja ou não cautela de sua parte, o empregador pode ter diminuídos os incentivos para incorrer em custos inerentes ao cumprimento das normas de segurança do trabalho, tratando os acidentes futuros como eventos certos incluídos (provisionados) nos custos empresariais. Isso acaba, em última análise, prejudicando o próprio trabalhador, já que tende a diminuir a segurança no ambiente de trabalho.

A burocracia

Como é sabido, comparativamente a outros países, o Brasil apresenta um dos maiores intervalos de tempo para que se possa abrir e fechar um empreendimento formal.

Segundo a reportagem da Revista Veja anteriormente citada (edição 2236, ano 44, n. 39, 28/09/11, p. 100), o tempo médio para abrir uma empresa no Brasil é de 120 dias, vinte vezes mais que nos Estados Unidos. Para fechar uma empresa, a mesma reportagem informa que, em nosso país, são gastos 4 anos, enquanto na Irlanda o procedimento demora 4 meses.

O custo para abrir uma empresa no Brasil é dos dos mais elevados. Veja o gráfico seguinte para ter uma noção dos gastos:

Custos de abertura uma empresa

Ademais, para um empreendimento funcionar no Brasil é necessário que o empreendedor solicite e renove periodicamente um grande número de autorizações do Poder Público. Isso inclui normalmente alvarás de funcionamento, atestado de vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), habite-se, inscrição estadual, municipal, etc., etc., etc.

Muitas obrigações a serem cumpridas pelos empresários, por outro lado,  constam de normas federais, estaduais e municipais ao mesmo tempo. No Brasil, não é raro que vários entes legislem simultaneamente sobre a mesma matéria (competência constitucional concorrente), muitas vezes de forma contraditória entre si. Em tais casos, o empreendedor, de uma forma ou de outra, ironicamente pode ser autuado por cumprir uma norma (e consequentemente descumprir a outra).

Outro problema burocrático muito presente na realidade empresarial brasileira são as obrigações escriturais. E não são poucas. Dependendo do caso, o empreendedor poderá ser obrigado a escriturar em conjunto: livro diário, auxiliares do diário, livro razão analítico e sintético, livro caixa, registro de inventário, LALUR, registro de entradas, registro de saídas, etc. etc., além de toda documentação necessária a tanto.

A obrigação de escriturar normalmente acarreta a obrigação de guardar o escriturado (notas fiscais, comprovantes de pagamento, cópias de contratos e rescisões contratuais, etc.) até a prescrição de todas as obrigações. Como a prescrição das obrigações pode ser diferente a cada caso, muitas dúvidas podem surgir sobre o prazo em que se deve manter tal documentação. A reportagem da Revista Veja que citamos anteriormente (p. 98) traz caso interessante de um empresário que mantém dois arquivos de documentos guardados (um em São Paulo e outro em Tatuí) com cerca de 12.000 pastas, as quais, se fossem colocadas uma ao lado da outra, formariam um tapete de papel que daria dez voltas em um quarteirão.

No Brasil, ainda há dificuldades derivadas da própria insegurança jurídica em saber quais normas contábeis o empresário deve cumprir.

Para as companhias, há maior segurança: tais regras estão consubstanciadas na Lei 6.404/76 e nas normas da CVM (estas para as companhias abertas).

Para os outros tipos de empreendedores, há maiores dificuldades. Há quem sustente que estão em vigor as normas contábeis do Código Civil, que já estão obsoletas há muito tempo. Outros preceituam que qualquer empreendimento deve cumprir as normas internacionais de contabilidade IFRS (International Financial Reporting Standards) ainda que sejam aquelas destinadas às pequenas e médias empresas (clique aqui para conhecê-las no site do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC).

Segundo a doutrina contábil internacional, essas normas (IFRS) não estabelecem procedimentos concretos a serem tomados, sendo baseadas apenas em princípios (principle based standards). Obviamente, pelo fato de os princípios terem caráter genérico, isso tem gerado muitas dúvidas na aplicação prática das normas aos casos concretos. Recente reportagem do jornal Valor Econômico (clique aqui) demonstra claramente que nem os maiores escritórios contábeis, empresas de auditoria e grandes companhias chegam a uma uniformidade sobre o assunto.

Conclusões

As questões que tratamos de forma resumida neste texto refletem uma das realidades mais cruéis entre os diversos países do mundo em face daquele que deseja empreender.

Por falta de estímulos à atividade empresarial, os brasileiros têm sido mais atraídos aos concursos públicos, os quais apresentam atividades com riscos menores e retornos equivalentes ou mais satisfatórios, comparativamente às iniciativas empreendedoras. Talvez por isso seja pertinente citar aqui a frase de Leandro Vieira, em entrevista que encontramos no blog de Miguel Uchoa, relatando que: "Os gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos" (clique aqui para ver na íntegra).

Se quisermos crescer como país, urge mudar esses rumos. Infelizmente, não é algo que se possa fazer da noite para o dia, até porque há inúmeras resistências às mudanças a serem implementadas. Talvez nossa geração não viva para ver isso ocorrer. Fazemos votos de que sejamos os responsáveis pelo início das transformações a serem complementadas no futuro.

Não ignoramos em nenhum momento que devemos separar, entre os empresários, aqueles que o fazem  de maneira honesta, lícita e vocacionada, daqueles que  se voltam intencionalmente à ilicitude, tal qual se aparta o joio do trigo.

Da mesma maneira, não advogamos aqui quaisquer ideias similares às defendidas por alguns economistas, segundo a qual o mercado deve permanecer livre de qualquer regulamentação estatal, seja em matéria tributária, trabalhista ou em outros aspectos regulatórios. Nada disso. A normatização estatal, incluindo aquela que impõe custos às empresas, é necessária e útil ao bom desenvolvimento da atividade produtiva e à manutenção da dignidade da pessoa humana. Faz-se necessário, entretanto, sua revisão, simplificação e adequação a patamares razoáveis, de modo a incentivar o empreendedorismo.


[1] É interessante lembrar que nosso ordenamento corretamente pune casos de lucros abusivos. Exemplo disso é nossa legislação antitruste (Lei 8.884/94, já prestes a ser alterada), que conceitua, em seu arts. 20, como infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: […] III - aumentar arbitrariamente os lucros. (g.n.)

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9 comentários:

  1. Caro Dr. Alexandre Demetrius Pereira.

    É sempre com muito prazer que leio seus textos e acompanho os seus ensinamentos. Mais uma vez, conforme verifiquei no presente texto, não há como discordar do senhor. Diariamente somos bombardeados de informações que dão conta de que o Brasil está na vanguarda da economia internacional. Propala-se que, enquanto as nações da Europa e EUA enfrentam grave crise econômica, nós, como se por milagre, estamos imunes a tais problemas.

    Todavia, ao analisarmos os dados que o senhor disponibiliza, facilmente chega-se a conclusão de que, do ponto de vista empresarial, o Brasil está na metade do século passado. Tenho a impressão de que são formadas inúmeras barreiras legais e entraves burocráticos para desencorajar o empreendedorismo. Tal fato alimenta a nefasta mentalidade de que o estado brasileiro deve excercer um papel quase de "mãe", e não de indutor de desenvolvimento.

    Enquano isso, a China, em tese um país comunista, porém com economia de mercado, facilita completamente a vida das pessoas que querem investir, querem prodizir e crescer. Tal fato explica como a China em menos de 30 anos saiu de um país quase que completamente agrário para uma das potência industriais do planeta. Por sua vez, nós, ao mesmo tempo em que crescemos economicamente, nos colocamos cada vez mais como país de exportação matérias primas.

    É UMA PENA.

    Parabens pelo texto

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    1. Excelente comentário. Só gostaria, com sua licença e perdão, de fazer uma observação quanto ao crescimento da China, comparando-o em termos de políticas públicas, ao cenário brasileiro: lá houve um grande crescimento econômico, porém as condições sociais e trabalhistas chegam a agredir a dignidade humana (sim, um conceito muito amplo mas deveras inteligível no presente contexto). Dai que foi de grande importância o prof. Alexandre, com sua maestria, ressaltar que o Estado deve servir como agente garantidor do referido princípio. Afinal de contas, não acredito em um desenvolvimento econômico que não permita um mínimo de respeito ao ser-humano (ps: não sou socialista...)

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  2. Caro Anônimo:

    Primeiramente, agradeço pelos elogios.

    No tocante ao papel do Estado em relação aos empreendedores, concordo totalmente com suas ponderações: deveríamos criar mais incentivos econômicos ao empreendedorismo. Isso, infelizmente, não tem sido a regra no Brasil.

    Grande abraço.

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  3. A grandeza e a coragem para a produção científica nossa área é sempre digna de louvor e é com essa intenção, apenas esta nesse momento que posto meu comentário, uma vez que, demandaria tempo e espaço maior para abrir uma discussão mais coerente e melhor fundamentada. No entanto, parabenizo-o pela clareza na exposição do texto e dos dados, pela fundamentação e pelo brilhantismo com que discute um cenário cercado de tanto falso moralismo. Profa. Luciana de Castro Magalhães - Goiãnia - Go.

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  4. Cara Profª. Luciana:

    É com muito prazer que recebo sua visita ao blog e seus elogios ao texto.

    Realmente, acredito que uma nação que queira se desenvolver deva incentivar prioritariamente o empreendedorismo. Como ressaltei no post e no comentário anterior, os dados indicam que essa não tem sido a realidade brasileira.

    Grande abraço.

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  5. Excelente o artigo. Sou empresário e sou esmagado todos os dias por um emaranhado incompreensível de regras, que tenho que cumprir sem pestanejar.
    O artigo resumiu muito bem o que significa empreender no Brasil.
    Muito obrigado.
    Carlos Alberto Partel

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  6. Prazado Carlos:

    Infelizmente, nosso sistema faz com que bons empresários, que desejam inovar, produzir e tornar o Brasil um país economicamente melhor sejam conduzidos à informalidade ou até mesmo à ilegalidade, por não poderem cumprir tamanhas exigências ou não poderem fazer frente a tamanhos custos.

    Enquanto isso, a população paga quase 40% de seu PIB em impostos para sustentar o gigantismo e a ineficiência estatal.

    É a dura e lamentável realidade.

    Grande abraço.

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  7. Olá Carlos,

    Este é um artigo polêmico, mas é evidente o quanto empresários e trabalhadores são prejudicados. Compartilhando a inquietação descrita acima, acredito ser útil avançar em outros níveis de análise posteriormente como
    forma de jogar luzes dentro(ou tornar menos opacas as paredes) da "caixa-preta" apresentada acima. Parabéns!

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