Terceirização: benefício ou prejuízo?

TerceirizaçãoRecentemente, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu realizar audiência pública (04 e 05 de outubro de 2011) para discutir o fenômeno da terceirização de mão de obra. Segundo dados do site do TST, “existem cerca de 5 mil recursos tramitando no Tribunal Superior do Trabalho e outros milhares de processos em andamento na Justiça Trabalhista nos quais se discute a legalidade da terceirização”.

O tema é certamente polêmico e desperta muitas reações e discussões apaixonadas naqueles que se dispõem a debatê-lo.

Por essas razões, o blog direito empresarial, pensando em fornecer a seus leitores maiores subsídios para que possam formar seu convencimento a respeito desse intrigante assunto, apresenta um artigo de caráter eminentemente técnico (embora sem deixar de apresentar uma opinião a respeito). Acompanhe essa interessante discussão neste artigo de autoria do Prof. Alexandre Demetrius Pereira.

Para cuidar de forma mais objetivamente possível do fenômeno da terceirização, partiremos da situação em que se encontra a doutrina e a jurisprudência trabalhistas atuais (considerando apenas suas posições majoritárias por questão de praticidade) para, em seguida, ingressar em alguns dos pontos favoráveis e contrários à terceirização, concluindo conforme a análise respectiva.

Como o tema é tratado nos dias de hoje: as posições da doutrina e da jurisprudência trabalhistas

A principal referência atual à terceirização é a famosa Súmula n. 331 do TST, cuja redação a seguir transcrevemos:

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação)  - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV  - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V  - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI  – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as  verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral

Sem ingressar aqui na questão da terceirização envolvendo a Administração Pública (tema que não é objeto deste artigo, por ser pertinente ao Direito Administrativo), coletamos na doutrina e jurisprudência trabalhistas, baseadas na Súmula 331 anteriormente transcrita, os seguintes entendimentos:

  1. A terceirização pode ser lícita ou ilícita. Será lícita quando se consubstanciar em contratação de trabalho temporário (Lei n. 6.019/74) ou, se implicar contratação permanente, seja dirigida a atividades-meio do tomador de serviços (tais como vigilância, limpeza, etc.);
  2. A terceirização ilícita, proibida em nosso ordenamento, geraria vínculo direto com o empregador. Nos casos de terceirização proibida (ilícita), o tomador seria o empregador direto do trabalhador terceirizado (Súm. 331, I). Além disso, caberia à Justiça do Trabalho impor penalidades ao tomador, para que este passasse a internalizar sua força de trabalho, não mais contratando terceiros. Essas penalidades, em grande parte impostas em ações civis públicas movidas por entidades sindicais ou pelo Ministério Público do Trabalho, consistiriam em obrigação de fazer (contratar diretamente os empregados terceirizados), de não fazer (desmontar a estrutura terceirizada e não mais contratar terceirizados no futuro) e de indenizar (normalmente pelos chamados “danos morais coletivos”); [1]
  3. Mesmo nos casos de terceirização lícita, existe responsabilidade subsidiária do tomador. Sob o argumento de que muitas das empresas terceirizadas são de pequeno porte ou se constituem por curto espaço de tempo ou visando a burlar direitos trabalhistas, busca-se atrelar o patrimônio do tomador de serviços à relação de trabalho terceirizada, de modo a conferir ao trabalhador, em eventual reclamação, um patrimônio solvável que garanta seus direitos. [2]

O principal fundamento contrário à terceirização, ainda que lícita, perante a Justiça do Trabalho, tem sido o que se aponta como discriminação das condições de contratação do empregado e desenvolvimento do respectivo trabalho. Como resume Maurício Godinho Delgado:

Entretanto, é também inegável que a fórmula terceirizante tende a criar um padrão de contratação de força de trabalho sumamente inferior àquele que caracteriza o trabalhador submetido a contrato de trabalho clássico. E esse contraponto de situações socioeconômicas e jurídicas não é tolerado pela ordem constitucional recente do país (Curso de Direito do Trabalho. 10ª Ed.,  LTR, 2011, p. 781).

Seguindo a linha apontada pela doutrina supracitada, encontram-se em muitos acórdãos uma série de argumentos contrários à terceirização, tais como prejuízos ao recolhimento da Seguridade Social, ausência de equiparação de salários e condições de trabalho entre os trabalhadores diretamente contratados e os terceirizados, etc.

Diante de tal visão do processo de terceirização, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas, embora de modo menos unânime, também vêm se posicionando de modo favorável (principalmente nos casos de terceirização ilícita) ao direito a equiparação de salários e demais condições entre trabalhadores terceirizados e aqueles contratados diretamente pela empresa tomadora de serviços.

É importante citar que, com a globalização da economia, tem ocorrido um expressivo movimento contrário à terceirização (outsourcing), principalmente se acompanhada de realocação de mão de obra em outros países (offshoring). Tal prática, segundo seus opositores, acarretaria a migração de postos de trabalho de países que possuem legislação trabalhista mais severa (e portanto mais custosa) para aqueles que possuem ordenamento laboral mais leniente (e menos custoso para os empregadores).

Também é importante mencionar alguns casos, embora minoritários e atinentes a ramos específicos de atividades empresárias, em que a legislação permite expressamente a terceirização. É o caso, p.ex., da Lei 9.472/97 (art. 94) em relação às telecomunicações.

Visto, em breve resumo, como atualmente o tema se encontra tratado pelos operadores do Direito do Trabalho, passaremos no tópico seguinte a comentar alguns dos pontos favoráveis e desfavoráveis à terceirização.

Especialização e economias de aprendizagem

Um dos principais argumentos favoráveis à terceirização deriva da especialização e do fenômeno denominado por muitos estudiosos de economias de aprendizagem ou curva de aprendizagem.

Quando existe especialização de funções, com foco reduzido em determinado tipo de trabalho, resta claro que as tarefas produzidas pelos respectivos operadores tendem a ganhar em: (1) qualidade, pelo melhor domínio do assunto tratado, o que repercute no resultado final do trabalho; (2) eficiência, pois a experiência acumulada frequentemente permite ao operador resolver problemas usuais com conhecimentos prontos e previamente testados, sem demandar tempo de pesquisa para a solução.

O próprio Poder Judiciário e os demais órgãos da Administração Pública são exemplos claros disso. A repartição de funções entre os vários ramos do Judiciário (Estadual, Federal, Militar, Trabalhista, etc.), e mesmo no interior de cada ramo (divisão em matéria cível, criminal, empresarial, tributária, etc.) promove inegáveis ganhos de produtividade. Muito provavelmente, um juiz especializado em matéria tributária decidiria com muito mais eficiência e qualidade uma causa envolvendo impostos do que um juiz criminal, pois sua experiência na área certamente proporcionaria maior domínio do tema julgado, sem necessidade de dispêndio de tempo para pesquisar o assunto antes de decidi-lo.

Aliás, diga-se de passagem, a própria legislação processual, muitas vezes, faculta ou impõe a terceirização de atividades entre as diversas esferas do Poder Judiciário. Veja-se, por exemplo, a possibilidade de suspensão do processo por questões prejudiciais externas no CPC (art. 110 e 265, IV, “a”) e a obrigatoriedade de suspensão do processo criminal se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas (CPP, art. 92). Nesses casos, resta facultado ou obrigado um juízo a aguardar que parte do trabalho que comporá sua decisão seja realizado por outro, que se presume fará com maior qualidade, derivada da familiaridade com a matéria, melhor disponibilidade de provas, etc.

Assim também na atividade empresarial.

Com efeito, a especialização derivada da terceirização tende a aumentar a aprendizagem e experiência num dado processo produtivo. Nesse sentido, lecionam McGuigan et al.:

Esses fatores incluem familiarização crescente com as tarefas pelos trabalhadores e supervisores, melhorias nos métodos e no fluxo de trabalho […]. Custos de matérias primas por unidade podem também estar sujeitos aos efeitos da curva de aprendizagem se menos sucata e perdas ocorrerem quando os trabalhadores se tornam mais familiarizados com o processo de produção (Economia de Empresas. Cengage Learning, 2010, p.267).

No mesmo sentido, Besanko et al.:

A curva de aprendizagem (ou curva de experiência) refere-se às vantagens resultantes do acúmulo de experiências e know-how. É fácil encontrar exemplos de aprendizagem por parte de trabalhadores e empresas. Os trabalhadores normalmente melhoram seu desempenho em tarefas específicas à medida que ganham experiência. Um fabricante pode aprender as tolerâncias apropriadas envolvendo atributos de design. Um varejista pode aprender sobre as preferências da comunidade. Uma firma de contabilidade pode aprender as idiossincrasias da gestão de estoque de seus clientes. Os benefícios da aprendizagem manifestam-se em menores custos, maior qualidade e atribuição de preços e marketing mais eficazes (Economia da Estratégia. Bookman, 2006, p.114).

Graficamente, costuma-se representar a curva de aprendizagem ou experiência da seguinte forma:

curva de aprendizagem

Pode-se ver claramente no gráfico anterior, ainda nos termos citados por Besanko et al., que quando há aprendizagem, os custos médios caem com a produção acumulada. Dessa forma, o efeito principal da experiência é a diminuição de custos juntamente com a maior produtividade. Note-se que, como ressaltam os autores antes mencionados (op. cit., p. 115-118), a aprendizagem também tem efeito na qualidade do produto ou serviço:

Embora a maioria dos estudos sobre curvas de aprendizagem esteja focalizada nos custos, alguns estudos documentaram os efeitos da aprendizagem sobre a qualidade. Existe uma literatura considerável sobre a relação entre experiência e qualidade na medicina, por exemplo. Alguns estudos mostram que os médicos que se deparam com uma doença pela segunda ou terceira vez proveem tratamentos muito mais eficazes do que em um primeiro contato com a doença […]. Descobertas como essas servem de apoio aos esforços para desenvolver centros regionais de referência em atendimento médico altamente especializado.

Obviamente, a aprendizagem e os benefícios acumulados da experiência derivada da especialização não são atributos unicamente existentes com a terceirização. Podem ocorrer em atividades empresariais totalmente centralizadas. No entanto, é inegável que a especialização derivada da terceirização promove ambiente muito mais favorável a que tais circunstâncias ocorram, razão pela qual contam como argumento favorável ao fenômeno em estudo.

Vejamos, para concluir este tópico, um pequeno exemplo, num ramo em que a terceirização normalmente ocorre, qual seja, o de transporte de produtos perigosos. Normalmente, as empresas transportadoras terceirizam a atividade de atendimento de eventuais acidentes com a carga transportada (produtos perigosos) para empresas especializadas no tratamento de tais situações extremas. Certamente, seria difícil argumentar que, levando em conta a experiência e aprendizagem acumulada em tratar com tais infortúnios, a empresa transportadora lidasse melhor (com mais qualidade e eficácia) com aludidos infortúnios que uma empresa especializada nessa atividade. Obrigar que, em todos os casos, o atendimento a acidentes fosse feito diretamente pela transportadora, certamente seria correr o risco de promover cuidados de pior qualidade, em detrimento da vida e da saúde das pessoas.

Transformação da natureza dos custos

Normalmente, os custos de uma atividade empresarial são divididos em dois tipos: fixos e variáveis. A definição de tais categorias (sem que ingressemos nas eventuais divergências doutrinárias) considera a perspectiva de sua alteração conforme se modifique a produção da empresa. Desse modo, teríamos:

  • Custos fixos: aqueles que não variam conforme a produção se modifica. Imagine-se o caso de um empresário que produz chapas de aço. Se em determinado mês o número de chapas de aço produzidos for maior ou menor, alguns de seus custos não apresentarão variação derivada da alteração de produção, tal como normalmente ocorreria com os custos de aluguel da fábrica, com os salários de pessoal da área administrativa, com os custos de telefonia, etc.
  • Custos variáveis:  aqueles que se alteram conforme varie a produção. No mesmo exemplo supracitado, se a produção das chapas de aço aumentasse num determinado mês, certamente variariam os custos de matéria prima (exigida para a produção em maior quantidade), os custos  decorrentes da depreciação das máquinas, os gastos com energia elétrica diretamente utilizada na produção, etc.

Com a terceirização, entretanto, pode dar-se uma importante modificação na natureza dos custos supracitados, transformando custos fixos em custos variáveis. Exemplo disso, ocorrido com agências federais e estaduais norte-americanas, é retratado com maestria pelo ilustre Prof. James Jiambalvo, da Wahington Business School:

De acordo com um relatório no governo norte-americano de 2004, as agências federais e estaduais vêm cogitando a terceirização de suas funções de administração de recursos humanos para empresas privadas. Uma razão para isso é que esse procedimento transforma os custos fixos em custos variáveis. Considere a Secretaria de Estado de Serviços de Gestão da Flórida. O departamento de RH dessa organização deve prestar serviços a 189.000 funcionários estaduais. Isso implica ter um call center para responder perguntas concernentes aos benefícios dos funcionários, um sistema de pagamento automatizado e custos com o suporte à tecnologia da informação. Muitos, senão  a maioria, dos custos associados são fixos, o que pode ser arriscado. Suponha que haja uma redução na força de trabalho. Como os custos são essencialmente fixos, os custos não se reduzirão. Porém, com a terceirização, o órgão governamental paga pelos serviços efetivamente utilizados. Se o órgão governamental se expandir, os custos, obviamente, aumentarão. No entanto, se o órgão governamental se contrair, os custos também sofrerão uma queda. Como as contratações estão, em geral, associadas a problemas fiscais, a redução nos custos pode ser bastante importante (Contabilidade Gerencial. LTC. 2009. p. 111)

Poder-se-ia argumentar que o benefício da transformação de custos fixos em custos variáveis só beneficiaria o empresário (empregador) e não o empregado, uma vez que a possibilidade de aquele pagar somente pelo uso do serviço ou do produto que adquirir implicaria uma possível redução nos postos de trabalho das empresas terceirizadas (que seriam cortados quando a produção diminuísse na empresa terceirizadora), o que supostamente não ocorreria se a produção fosse mantida de forma centralizada.

Isso, entretanto, não nos parece um argumento convincente.

Primeiramente, como é sabido, em empresas que centralizam toda sua produção, as oscilações na demanda por seus produtos ou serviços se refletem naturalmente na criação ou redução dos postos de trabalho. Em outras palavras: aquecimento de demanda implica contratação; retraimento de demanda, corte de empregos. Assim, a primeira constatação que se pode fazer é que o fato de uma produção estar centralizada (= sem terceirização) não protege, por si só, os postos de trabalho existentes.

Note-se, portanto, que não é a terceirização ou a centralização da atividade produtiva que garantirá empregos, mas sim a situação da economia como um todo ou em relação a um setor específico.

Ao contrário do que pode parecer pela objeção anteriormente levantada, a terceirização poderá, inclusive, proteger o emprego em casos como tais. Isso ocorre, muitas vezes, em virtude de que a empresa tomadora de mão de obra, ao enfrentar uma crise que afete sua demanda e a obrigue a cortar postos de trabalho, usualmente não tem qualquer possibilidade de recolocação imediata dos empregados que então demite, pois simplesmente extingue parcela de sua atividade. Por seu turno, empresas fornecedoras de mão de obra que possuam ampla carteira de clientes podem compensar cortes de emprego em determinados setores em crise, realocando empregados para clientes que façam parte de setores em expansão.

O fato de a terceirização transformar os custos do trabalho de fixos para variáveis também traz outros tipos de vantagens na manutenção do emprego. Como os custos variáveis acompanham a produção (e a demanda, em última análise), empresas que tenham mão de obra terceirizada correm menos riscos em sua liquidez e rentabilidade. Isso quer dizer que a atividade empresária estará mais segura contra os percalços decorrentes de fortes oscilações na demanda, tendo maior proteção em face de eventual falência que acarrete o fim da atividade e dos postos de trabalho a ela inerentes.

Economias de escopo e de escala

Outra questão a ser analisada em relação à terceirização envolve as economias de escopo e as economias de escala.

Economias de escopo, na definição de McGuigan et al. (op. cit., p. 246):

Acontecem sempre que os insumos podem ser compartilhados na produção de produtos diferentes. Por exemplo, no setor aéreo, tanto o custo de transporte de passageiros como o fretamento de um único avião é menor que o custo de dois aviões para transportar passageiros e fretamento em separado. Da mesma forma, bancos comerciais que administram créditos aos clientes por cartão de crédito e empréstimos para financiamento de imóveis podem fornecer a cada atividade a custo mais baixo que se oferecidos separadamente.

Na esteira da lição supracitada, podemos ver que as economias de escopo existem sempre que, considerando a produção de mais de um bem ou serviço, seja mais barato produzi-los em conjunto (utilizando uma mesma base industrial, comercial, de insumos, etc.) do que produzi-los separadamente.

Uma montadora de automóveis, p.ex., que conseguir utilizar uma única base industrial para produzir mais de um tipo de veículo, provavelmente alcancará uma economia de escopo, diminuindo seus custos totais de produção.

As economias de escopo estão na base de muitas operações comerciais, tais como as fusões e aquisições entre sociedades empresárias que, com a combinação, conseguem unificar sua produção e usar recursos únicos para a produção de bens e serviços que antes eram realizados de forma separada.

Nesse mesmo sentido, a terceirização, dependendo da forma que é realizada, pode proporcionar importantes economias de escopo. Exemplo clássico de economia de escopo realizada com terceirização, muito presente na realidade nacional, encontra-se na criação, por instituições financeiras, de pessoas jurídicas específicas para cadastro de tomadores de crédito e análises de risco de financiamento. Tal serviço, prestado para diversas instituições financeiras utilizando uma mesma base da dados, apresenta relevante economia de escopo se comparada à prestação do mesmo serviço internalizado em cada uma das instituições mencionadas.

Vista a questão das economias de escopo, passemos a analisar o relacionamento da terceirização com as economias de escala.

Considera-se que existem economias de escala toda vez que o incremento do volume de produção implicar redução dos custos médios (ou totais) por unidade dos produtos ou serviços, diante diluição dos custos fixos. Assim, de modo simplificado, se uma determinada fábrica produz 100.000 unidades de um determinado produto a custos fixos de R$ 30.000,00, e custos variáveis de R$ 20.000,00, seus custos médios (totais) por unidade são de R$ 0,50 por unidade (R$ 50.000,00 / 100.000). Se esta mesma fábrica passar a produzir 200.000 unidades, com os mesmos custos fixos de R$ 30.000,00 e custos variáveis de 40.000,00, seus custos médios por unidade passarão a ser de R$ 70.000,00 / 200.000 = R$ 0,35 por unidade.

Graficamente, temos a representação do exemplo anterior:

Economias de escala

Verifica-se no gráfico que a economia de escala foi proporcionada pelo aumento de produção com os mesmos custos fixos (que não variam com o incremento produtivo, como dissemos anteriormente). Como a produção aumentou, os custos fixos por unidade se reduziram (de R$ 0,30 para R$ 0,15). Assim, mesmo que os custos variáveis totais tenham aumentado proporcionalmente com o incremento das unidades produzidas (de R$ 20.000,00 para R$ 40.000,00), estes se mantiveram inalterados se considerarmos os custos variáveis por unidade (iguais em R$ 0,20, antes e depois do aumento da produção). Com essa situação, os custos totais ou médios por unidade tiveram uma importante redução (de R$ 0,50 para R$ 0,35) derivada da diluição dos custos fixos pelo aumento do número de unidades produzidas.

E o que as economias de escala tem a ver com a terceirização?

Respondem esta pergunta Besanko et al. (op. cit., p. 131):

Sabemos que empresas devem focar suas atividades naquilo que fazem melhor e deixar tudo mais para parceiros terceirizados independentes. A lógica é que empresas de mercado podem executar a maioria das atividades de forma mais eficiente do que as empresas integradas. Há várias razões para isso. Primeiro, as empresas de mercado podem possuir informações proprietais (“proprietary information”) ou patentes que as habilitem a produzir a um custo mais baixo. Segundo, elas podem estar aptas a agregar as necessidades de muitas empresas, usufruindo assim de economias de escala. Terceiro, elas podem tirar vantagens de sua experiência para produzir para várias empresas para obter economias de aprendizagem […].

Empresas de mercado – empresas que se especializam na produção de um insumo – podem, muitas vezes, atingir uma escala maior, e assim baixar o custo unitário, do que as empresas a jusante, que utilizam o insumo. A razão é que uma empresa de mercado pode agregar as demandas de muitos compradores em potencial, enquanto uma empresa integrada produz apenas para suas próprias necessidades.

Desse modo, pode não ser interessante, nem economicamente viável, que uma empresa com produção centralizada venha a atingir escala suficiente para produzir bens a custos reduzidos, que proporcionem rentabilidade ou preços minimamente aceitáveis para seus proprietários ou para o mercado consumidor. Para idêntica situação, os ganhos de eficiência de uma empresa terceirizada na produção do mesmo bem podem viabilizar a escala necessária para que um produto seja fabricado em condições satisfatórias.

Isso demonstra que a terceirização pode ser não apenas uma questão de produzir a preços mais baixos, mas verdadeiramente uma condição sine qua non para que determinados bens ou serviços sejam oferecidos no mercado, em condições de preço compatíveis com a capacidade aquisitiva do consumidor.

As necessidades de gestão: terceirização como medida inafastável

Além de todos os argumentos desenvolvidos até aqui, devemos ponderar que há casos em que a terceirização é inafastável, pois torna-se uma medida não só conveniente, mas necessária à gestão e à continuidade operacional da empresa.

Num mercado altamente competitivo e globalizado, ou seja, diante da exigência de que as empresas conquistem, mantenham e renovem permanentemente diferenciais ou vantagens competitivas, a necessidade de terceirização pode se apresentar de modo inafastável. Não raras vezes, a necessidade de dedicação exclusiva às competências essenciais que trazem vantagem competitiva à empresa torna-se tão importante estrategicamente, que, ao diluir seus recursos cuidando de outras áreas secundárias ou complementares, pode a entidade perder a própria capacidade de sobreviver no mercado.

Bem explicam a hipótese Mintzberg e Quinn:

A empresa precisa assegurar, para suas essências competitivas selecionadas, a manutenção de absoluta superioridade. Talvez ainda precise cercar essas essências competitivas com posições defensivas, tanto para cima como para baixo. Em alguns casos, a empresa talvez precise desempenhar algumas atividades nas quais não é a melhor do mundo, apenas para poder continuar existindo ou para evitar que concorrentes em potencial aprendam, adquiram, minem ou aprimorem elementos de suas competências especiais […].

A maioria das empresas objetiva duas ou três atividades (não uma nem mais que cinco) na cadeia de valor mais crítica para o sucesso futuro […]. À medida que o trabalho se torna mais complexo e à medida que proliferam as oportunidades para sobressair-se em determinadas atividades, os gerentes descobrem que não podem ser os melhores em todas as atividades da cadeia de valor. À medida que ultrapassam três a cinco atividades ou conjuntos de habilidades, não conseguem igualar o desempenho de seus concorrentes ou fornecedores mais em evidência (O processo da estratégia. Bookman, 2001, p. 75-76).

Nessas condições, a proibição legal (ou jurisprudencial) pode tornar-se insuficiente ou ineficaz para deter a prática terceirizante, haja vista que ou a empresa terceiriza suas atividades ou deixa de existir no mercado. Em tais hipóteses, é de se presumir que a terceirização será efetivada, ainda que contra expressa proibição do ordenamento jurídico, por se tratar de questão envolvendo a sobrevivência da empresa. Isso pode significar um estímulo à exploração de falhas no sistema jurídico e fiscalizatório, bem como à criação de situações de burla indireta à vedação, por meio de constituição de institutos que escapem à incidência do comando proibitivo.

É preciso lembrar que a maior garantia ao empregado é a manutenção de seu emprego, o que é decorrência imediata da preservação da atividade empresarial. Proibir-se indiscriminadamente a terceirização em atividades-fim (critério a ser analisado no tópico seguinte) torna-se cada vez algo anacrônico e mais um risco à sobrevivência empresarial.

A terceirização e as atividades-fim

Como vimos na parte inicial deste texto, a jurisprudência trabalhista vem definindo como critério básico para a licitude da terceirização que tal fenômeno recaia sobre atividade-meio do tomador de mão de obra, proibindo-se, por consequência, a terceirização que incida sobre a atividade-fim deste último.

Há respeitáveis doutrinadores que tentam definir o que seja atividade-fim e atividade-meio. Dentre eles o ilustre e sempre abalizado Maurício Godinho Delgado (op. cit., p. 438):

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.

Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo.

Amauri Mascaro Nascimento assim leciona sobre o assunto:

Atividades-meio são aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, e atividades-fim são aquelas que coincidem. Se um estabelecimento bancário contrata empresa de serviços de vigilância, trata-se da contratação de atividades-meio, mas se contrata empresa de serviços de caixa, trata-se de atividade-fim. Se um colégio se vale de empresa de limpeza, a atividade contratada é meio, mas se contrata empresa de professores, a situação caracteriza-se como contratação de atividade-fim, porque as aulas são a finalidade do colégio (Iniciação ao Direito do Trabalho, LTR, 2011, p. 218).

Há também aqueles que argumentam que seria possível se encontrar a atividade-fim do tomador por meio do simples exame do contrato social ou estatuto que rege uma sociedade empresária, ao se identificar o objeto social.

O fato é que, por mais esforçada que tenha sido a doutrina trabalhista em tentar definir uma distinção entre atividade-fim e atividade-meio, em nada se evoluiu além de fórmulas genéricas que, diante de hipóteses concretas, admitem um sem número de interpretações divergentes.

É de se constatar, portanto, que não há uma definição precisa do que seja atividade-meio ou atividade-fim da empresa. Em grande parte das vezes, a atividade-fim nada mais será do que um conjunto ou o resultado final formado por todas as atividades-meio, sem que seja possível separar com clareza umas das outras.

Existem casos – a própria doutrina trabalhista os reconhece – em que a terceirização incidirá claramente sobre atividades-meio, como ocorre com os serviços de vigilância, limpeza e congêneres, para tomadores que não exerçam tais atividades, obviamente.

No entanto, há inúmeras outras hipóteses em que a identificação do objeto sobre o qual recai a terceirização, entre atividade-fim e atividade-meio, pode ser extremamente difícil. Observe o leitor os exemplos seguintes e tente definir qual enquadramento dar ao caso concreto:

  • A contabilidade de um escritório de advocacia ou de uma sociedade empresária de construção civil seria atividade-fim ou atividade-meio? Muitos dirão que seria uma atividade-fim, pois a contabilidade é o “coração financeiro” do tomador. Outros dirão que se trata de uma atividade-meio, usualmente terceirizada a sociedades de contadores;
  • E o marketing? É atividade-fim ou atividade-meio? É possível terceirizar essa tarefa por intermédio de uma agência ou estaria configurada a terceirização ilícita?
  • Fabricação de chapas de aço, pneus e acessórios em relação à indústria automobilística é atividade-fim ou atividade-meio? Lícita ou ilícita?
  • Análise de crédito em relação à atividade bancária seria atividade-fim ou atividade-meio?
  • Atendimento de eventuais acidentes com cargas, a ser feito por empresa especializada e independente da transportadora seria atividade-fim e atividade-meio?

Não é preciso continuar essa longa lista para se verificar a imprevisibilidade que o critério aludido traz. De fato, essa postura peca, a nosso ver, pelo laconismo e pela indeterminação de seu conteúdo, criando alto grau de insegurança jurídica aos destinatários, além de custos desnecessários.

De igual maneira, nada mais enganoso, que tentar definir atividade-fim pelo conteúdo do objeto constante do contrato ou estatuto societários. De fato, o objeto social é algo extremamente amplo, mutável ao longo do tempo e que é composto por uma série de atividades (meio) que o compõem. Não bastasse, muitas vezes o objeto social é também definido em termos genéricos, sendo muito difícil identificar quais tarefas ou atividades poderão ser consideradas como atividades-meio ou atividades-fim para que se possa atingir sua plena realização.

Diante de tamanha incerteza, restam os destinatários do comando normativo constante da atual Súmula n. 331 do TST (que consagra a distinção da licitude ou ilicitude da terceirização com base na distinção entre atividades-meio e atividade-fim) no seguinte impasse, ao efetivarem uma terceirização de atividades: se sua interpretação do que seja atividade-meio ou atividade-fim não coincidir, no caso concreto, com aquela conferida a esses mesmo vocábulos pela Justiça do Trabalho, estarão sujeitos a responder, em sede de ações próprias (usualmente ações civis públicas), e incorrerem, dentre outros, nos custos de: (1) desmonte da estrutura terceirizada; (2) contratação direta dos empregados; (3) pagamento de danos morais coletivos. Tudo isso sem contar eventuais multas impostas pelos órgãos de fiscalização do trabalho.

Com a devida vênia, não nos parece razoável a imposição de tamanha insegurança jurídica e dos custos a ela inerentes aos destinatários do comando normativo em estudo.

Visto ainda sob outro prisma, pode-se apontar outra falha do critério que busca distinguir entre atividades-meio e atividades-fim para analisar a licitude da terceirização. É que a descentralização de atividades entre empresas distintas, na prática, consubstancia fenômeno complexo e pode dar-se com a utilização de vários instrumentos negociais, que incluem: (1) propriedade parcial de ativos; (2) operações conjuntas (esporádicas, específicas ou continuadas) entre empresas, visando a produção ou comercialização de determinados produtos ou serviços; (3) criação de pessoa jurídica com controle compartilhado; (4) desenvolvimento conjunto; (5) compartilhamento de informações e know-how, etc.

Agora, responda o leitor: a criação de uma pessoa jurídica, com controle compartilhado entre outras duas sociedades empresárias (controladoras), para a realização de determinado investimento comum (joint venture) encerra terceirização? Se positivo, caracteriza terceirização lícita ou ilícita? O critério em estudo não responde, pois parte de uma premissa demasiadamente simplista (não abrangente da complexidade da realidade empresarial), que busca apenas distinguir entre atividades-meio ou atividades-fim para consentir ou não com a prática em estudo.

Desse modo, melhor seria, a nosso ver, que o critério aludido fosse abandonado, para que se admitisse a terceirização em todos os casos, sem os difíceis e inseguros óbices de previamente definir se estaremos diante de uma atividade-meio ou de uma atividade-fim. Essa postura seria mais consentânea com normas trabalhistas modernas e que atendam à estrutura econômica atual.

É interessante verificar que alguns doutrinadores trabalhistas também já caminham no mesmo sentido, como relata Amauri Mascaro Nascimento (op. cit., p. 219):

O sistema de produção de bens e prestação de serviços está mudando. A empresa moderna pauta-se em novos princípios de organização científica do trabalho, alterando não só a fábrica e o escritório, mas o sistema empresarial como um todo. A descentralização das atividades da empresa por meio de subcontratações caracteriza as tendências contemporâneas, com reflexos sobre as relações individuais e coletivas de trabalho. As empresas multinacionais produzem partes de um mesmo produto em países diferentes para montagem em um terceiro local.

Saliente-se que a superação do critério hoje existente para definir a licitude ou ilicitude da terceirização (atividades meio ou fim), com o fim de que esta seja admitida como fenômeno lícito em todos os casos, não resultará na desproteção do trabalhador, como veremos no tópico seguinte.

As necessárias proteções ao trabalhador na terceirização

Embora sejamos favoráveis à licitude da terceirização para todos os tipos de atividade, superando-se os critérios hoje adotados na Súmula n. 331 do TST, não quer dizer que não se devam adotar proteções ao trabalhador quando estiverem presentes atividades terceirizadas.

É correto, a nosso ver, em muitos casos, o argumento segundo o qual alguns empregadores tentam terceirizar suas atividades para fraudar direitos trabalhistas, fazendo-o por intermédio da contratação de empresas terceirizadas de fachada ou de existência efêmera, que deixam de honrar suas obrigações trabalhistas.

Também entendemos apropriado o argumento segundo o qual a terceirização pode ser usada para discriminar o empregado, colocando-o em situação remuneratória inferior ou em condições de  trabalho mais precárias do que teria se a mesma tarefa fosse feita de forma centralizada na empresa tomadora de serviços.

Esses dois argumentos, porém, resolvem-se com a previsão de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços pelos direitos trabalhistas não pagos ao empregado pela empresa terceirizada e pelo uso criterioso do instituto da equiparação salarial (incluindo as vantagens referentes ao enquadramento sindical). Ambos institutos, aliás, já admitidos, respectivamente, pela Súmula n. 331 do TST e pela jurisprudência trabalhista.

Por meio desses dois mecanismos, confere-se a garantia de um patrimônio supostamente solvável (do tomador)  para garantir o pagamento dos direitos do trabalhador e mantém-se íntegra a vedação à discriminação do trabalhador terceirizado. Também não vislumbramos prejuízo à Seguridade Social, uma vez que, equiparados os salários e outras remunerações, as contribuições deverão ser recolhidas no mesmo montante pela empresa terceirizada ou pelo empregador.

Poder-se-ia ainda advogar que em empresas terceirizadas as condições de trabalho (higiene, segurança, saúde, etc.) costumam ser piores do que em tomadoras de serviço, ocasionando maior probabilidade de ocorrência de acidentes e doenças do trabalho, fato que deveria acarretar a proibição da terceirização.

Esse raciocínio, contudo, não chega a convencer.

Primeiro, porque nada garante que essa seja uma realidade que só afete as empresas terceirizadas e não as tomadoras, de modo que a terceirização não é, necessariamente, a vilã de tal situação. A realidade demonstra que muitos dos acidentes e doenças do trabalho ocorrem em atividades centralizadas, não sendo correto elevar a terceirização à causa principal dos infortúnios laborais. Segundo, porque, mesmo que assim fosse, a questão deveria ser resolvida por meio do incremento da fiscalização das condições do meio ambiente do trabalho pelos órgãos de inspeção do trabalho e não pela simples proibição do instituto da terceirização, o que equivaleria, mutatis mutandis, a agir como no adágio popular e “queimar a floresta para matar o tigre”

Conclusões

A terceirização em nosso ordenamento é atualmente regulada pela Súmula n. 331 do TST, que permite sua realização em atividades-meio do tomador de serviços, considerando-a ilícita em atividades-fim.

Como analisamos neste texto, porém, a terceirização traz vários benefícios, entre eles as economias de aprendizagem, escopo e escala, a transformação na natureza dos custos e a manutenção das vantagens competitivas da empresa, por vezes necessárias a sua sobrevivência no mercado.

Entendemos que o critério adotado na Súmula n. 331 do TST, que distingue entre atividade-fim e atividade-meio do tomador para vedar ou permitir a terceirização está superado, dada a grande insegurança jurídica que traz aos operadores jurídicos e aos destinatários de seu comando.

Cremos que a terceirização deve ser permitida em todas as atividades, sem prejuízo da manutenção das proteções trabalhistas relativas à responsabilidade subsidiária do tomador e do uso criterioso do instituto da equiparação salarial.


[1] Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 10/02/2010 RELATOR(A): ROVIRSO APARECIDO BOLDO REVISOR(A): LILIAN LYGIA ORTEGA MAZZEU ACÓRDÃO Nº: 20100069821 PROCESSO Nº: 02088-2003-014-02-00-7 ANO: 2008 TURMA: 8ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 19/02/2010 EMENTA: Ação Civil Pública. Terceirização. Substituição de mão-de-obra. Fraude. Dano moral coletivo. Indenização. A lesividade objetiva aos direitos dos trabalhadores se consubstancia diante da presumida hipossuficiência econômica, que os afasta da rede de proteção social que a legislação do trabalho confere. Atente-se que a relegação ao oblívio dos efeitos da contratualidade é rotina que desserve à sociedade como um todo; deixam-se de recolher as contribuições sociais em prejuízo da seguridade social e da função essencial da Administração Pública que é diminuir o abismo social por intermédio da distribuição da riqueza. Muito embora todos os ramos do direito estejam voltados diretamente para a solução dos conflitos que vicejam na sociedade, o Direito do Trabalho está ligado intrinsecamente a questões que dizem respeito à subsistência do trabalhador e de sua família; a sua vocação humanitária grassa no seio da coletividade e garante aos menos favorecidos que o cerne do capitalismo baseado na exploração do homem pelo homem (manifestação patogênica desse sistema social), se não passível de eliminação, permite ao menos que seja reduzido. A hipótese dos autos configura execrável fraude aos preceitos laborais. A permissão para que a atividade proibida seja mantida como forma de garantir a subsistência dos trabalhadores e de suas famílias não pode ser referendada pelo Judiciário. Se é o interesse social que se procura acautelar, é necessário expurgar do cenário empresarial aqueles que tencionam privar dolosamente os empregados de seus direitos mais elementares. A defraudação hoje atinge 20 trabalhadores e suas famílias; se nada for feito, com certeza amanhã não será uma centena, mas sim milhares de prejudicados, repartindo-se o ônus desse capitis diminutio socioeconômico à toda coletividade. A terceirização fraudulenta assoma como prática lesiva de natureza extrapatrimonial em afronta não só aos trabalhadores envolvidos, assim como à sociedade em geral (interesse difuso). Exsurge a responsabilidade civil pela reparação extrapatrimonial. Dano moral coletivo reconhecido.

[2] Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:  TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 01/12/2009 RELATOR(A): WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA REVISOR(A): SERGIO WINNIK ACÓRDÃO Nº: 20091110429 PROCESSO Nº: 00228-2008-072-02-00-8 ANO: 2009 TURMA: 4ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 12/02/2010 EMENTA: RECURSOS ORDINÁRIOS DOS RECLAMADOS: TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA: A responsabilidade subsidiária do tomador, mesmo nos casos em que se admite a prestação de serviços terceirizados, decorre do dever de cautela na contratação e fiscalização dos serviços prestados. Aplicação da Súmula 331, IV, do TST. Recursos ordinários dos reclamados aos quais se nega provimento. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE: INTERVALO INTRAJORNADA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE: A flexibilização de jornada de trabalho autorizada pelo artigo 7º, XIII, da CF, deve ser interpretada restritivamente, posto que a norma constitucional faculta a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, mas não autoriza a redução do intervalo para repouso e alimentação, de modo que, no particular, há que se obedecer aos ditames legais delimitados pelo artigo 71, da CLT. JORNADA 12 X 36. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. REGULARIDADE: A jornada 12X36 foi estabelecida em norma coletiva, diante do permissivo previsto pelo artigo 7º, XIII, da CF, não havendo nulidade a ser declarada, no particular, até porque tal jornada se mostra mais benéfica ao trabalhador. VIGILANTE. COLETE. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO. DANO MORAL: Trata-se de equipamento de proteção indispensável ao exercício da atividade do obreiro e a ausência de seu fornecimento implica em inegável sofrimento moral passível de indenização. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DECLARAÇÃO DE POBREZA: A redação da Súmula 219, do TST, possibilita o entendimento segundo o qual haveria duas circunstâncias para a condenação em honorários advocatícios na Justiça do Trabalho: a percepção inferior a dois salários mínimos e a assistência sindical; ou o trabalhador encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (hipótese dos autos). Esta interpretação do texto sumular guarda maior harmonia com o princípio da proteção que é basilar no Direito do Trabalho. Recurso ordinário do reclamante ao qual se dá provimento parcial.

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4 comentários:

  1. A matéria é bastante articulado, entretanto, discordo da conclusão pois o que ela faz é uma supervalorização da lógica capitalista de aumento de riquesa em prejuízo exclusivo do trabalhador. Basta imaginar uma categoria profissional que conquistou ao longo de decadas direitos que hoje estão em convenção coletiva (portanto, normas entre a empresa e os funcionários), tudo estaria perdido pois aquele funcionário não mais pertenceria ao quadro da empresa estando somente sujeito as normas mínimas e que o empresariado dia a dia tenta relativisar visando exclusivamente lucro.

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  2. Parabéns pelo artigo, Professor Alexandre.
    É com muito gosto que leio um trabalho que tem por objeto analisar um tema em todos os seus aspectos e considerando diversas nuanças.
    O ponto de vista econômico foi explicado com conceitos facilitados e exemplos bem didáticos.
    Eu, que tenho formação jurídica, entendi perfeitamente os conceitos dados e passei a ver pontos da terceirização que não conhecia.
    De fato falta ao profissional do Direito uma visão mais econômica das relações jurídicas.
    Obrigada por compartilhar o seu conhecimento multidisciplinar com todos.

    O artigo e o blog estão de parabéns!

    Rafaela Glioche

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  3. Caro Wagner:

    A hipótese que você comenta é muito interessante e muito polêmica. Permita-me, portanto, parabenizá-lo pelo feliz comentário.
    A questão posta diz respeito à eventual perda de direitos dos trabalhadores que, ao passarem a prestar serviços por intermédio de empresas terceirizadas, perderiam as prerrogativas conquistadas em convenção coletiva (entre sindicatos patronais e aqueles representativos dos empregados), uma vez que não mais ostentariam o mesmo enquadramento sindical da categoria.
    Se você leu atentamente o artigo, deve ter verificado que, no tópico intitulado “As necessárias proteções ao trabalhador na terceirização” argumentamos no sentido de que, para proteger o empregado terceirizado, deve-se fazer “uso criterioso do instituto da equiparação salarial (incluindo as vantagens referentes ao enquadramento sindical)”.
    Com isso, quisemos dizer que os terceirizados, se presente a igualdade de funções, devem ter plena equiparação salarial com aqueles não terceirizados (ou centralizados sob o comando direto da tomadora), incluindo na equiparação as prerrogativas sindicais decorrentes do enquadramento da categoria.
    Isso, aliás, já é reconhecido pela Orientação Jurisprudencial (OJ n. 383 do TST) e por vários acórdãos, com os quais estamos plenamente de acordo.
    Permita-me citar alguns desses precedentes jurisprudenciais, para que fique bem claro nosso posicionamento:

    TRT – 2ª REGIÃO: TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 17/11/2010 RELATOR(A): ROVIRSO APARECIDO BOLDO REVISOR(A): SILVIA ALMEIDA PRADO ACÓRDÃO Nº: 20101178080 PROCESSO Nº: 02224-2008-081-02-00-5 ANO: 2010 TURMA: 8ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 19/11/2010. EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO. ENQUADRAMENTO SINDICAL DOS EMPREGADOS DA PRESTADORA NA CATEGORIA DIFERENCIADA DO TOMADOR. NECESSIDADE DA COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES ESPECÍFICAS DA CLASSE. A imposição de isonomia de condições entre os empregados da prestadora e da tomadora de serviços decorre, impreterivelmente, da comprovação da igualdade das atividades exercidas entre eles. Para o enquadramento sindical na categoria diferenciada a que pertence a tomadora, é requisito necessário o exercício, pelo reclamante, de atribuições específicas da classe a que se busca inclusão.

    TRT – 2ª REGIÃO: TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 04/07/2000 RELATOR(A): SÔNIA APARECIDA GINDRO REVISOR(A): MARIA APARECIDA DUENHAS ACÓRDÃO Nº: 20000345819 PROCESSO Nº: 02990312239 ANO: 1999 TURMA: 6ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 14/07/2000 EMENTA: Enquadramento sindical. Empregado de empresa de prestação de serviços. Lícito o enquadramento segundo a atividade preponderante na empresa tomadora de serviços. Diante da possibilidade da "terceirização", da colocação de empregado de empresa prestadora de serviços laborando lado a lado com empregado da tomadora dos serviços em funções ligadas à atividade fim desta, possível é o enquadramento sindical deste prestador de serviços na mesma categoria profissional daquele, haja vista as peculiaridades do trabalho que desenvolvem, das necessidades que possuem, das reivindicações que lhes são comuns. Dissociado se encontra esse trabalhador da categoria que lhe confere a atividade preponderante da empresa que o contratou como empregado, mera administradora desses contratos, devendo nela ser enquadrados apenas os seus empregados ligados a essas atividades.

    Assim, note que já concordávamos com sua posição e reforçamos tal concordância no momento, ressaltando que não buscamos fazer qualquer juízo de valor sobre a lógica capitalista ou sobre o conflito capital-trabalho, por entender que a assunção de referidas posturas ideológicas não nos levará a uma melhor regulamentação da matéria, o que de fato é necessário para dar maior objetividade ao assunto.

    Espero ter esclarecido.

    Grande abraço.

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  4. Cara Rafaela:

    Inicialmente, agradeço pelos elogios. A matéria é muito polêmica, de difícil consenso, e necessariamente tem de ser tratada modo interdisciplinar.
    Na verdade, há casos concretos envolvendo terceirização em que houve extremo sucesso, considerando toda a utilização dos potenciais de economia de escala, escopo, aprendizagem, etc., bem como outros em que a terceirização foi um completo fracasso, com perda de qualidade do produto, incremento de vulnerabilidades da tomadora e utilização fraudulenta do instituto em prejuízo dos trabalhadores.
    Os que argumentam contra ou a favor, costumam colecionar seus casos em reforço de sua posição. Acredito que a terceirização não é solução para todos os males, nem é a vilã de todos os problemas das empresas.
    Precisamos, a meu modo de ver, é aprimorar a regulamentação do instituto, principalmente superando a insegurança jurídica concernente à lacônica distinção entre atividades meio e fim, constante da Súmula 331 do TST, sem deixar de proteger o trabalhador.

    Grande abraço.

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