A natureza da decisão que decreta a falência ou concede a recuperação em relação ao crime falimentar

Na última prova (objetiva) para Analista de Promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), uma das questões do exame dizia respeito à natureza jurídica da decisão que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial em relação ao crime falimentar.

Trata-se de matéria altamente divergente na doutrina e na jurisprudência, além de pouco estudada, em seus múltiplos detalhes e consequências práticas, pelos operadores jurídicos.

Você já ouviu falar, por exemplo, em condições objetivas de punibilidade? Conhece a diferença entre estas e as condições de procedibilidade? Sabe qual influência que tais institutos possuem na prescrição dos crimes falimentares, no momento consumativo desses delitos, na possibilidade de prisão (processual) do agente ou no ius puniendi estatal?

Pensando nisso, o blog direito empresarial traz a seus leitores um artigo especial esmiuçando o assunto, sempre da forma mais clara e didática possível.


Antes de entrarmos no conteúdo principal tratado neste artigo, gostaríamos de apresentar aos nossos leitores que desejam se aprofundar no tema abordado, nossa obra a respeito dos crimes falimentares. Nela, o leitor encontrará, além de uma doutrina consolidada e segura sobre a matéria, modelos de peças práticas (denúncias, defesas, alegações escritas, sentença, audiência e recursos) e mais de 60 (sessenta) questões dos mais diversos concursos públicos sobre a matéria de crimes falimentares, devidamente respondidas e comentadas.

Para facilitar sua localização e conhecimento prévio pelo leitor, disponibilizamos a seguir os links para a obra mencionada (site da livraria cultura) e sua análise publicada no blog do Prof. Fábio Ulhoa Coelho.

Clique nas imagens seguintes para abrir os links mencionados:

Crimes falimentares: teoria, prática e questões de concursos Quando a falência é crime: Prof. Fábio Ulhoa Coelho


Ingressando no mérito do tema abordado, a questão do concurso do MPSP (prova objetiva de conhecimentos gerais – Cargo: Analista de Promotoria I - Assistente Jurídico) a que anteriormente aludimos é a seguinte:

De acordo com o texto expresso do art. 180 da Lei n.º 11.101/05, a natureza jurídica da sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial no que pertine ao processo e julgamento dos crimes falimentares, é a de:

(A) requisito da ilicitude.
(B) requisito da tipicidade.
(C) requisito da culpabilidade.
(D) condição de procedibilidade.
(E) condição objetiva de punibilidade.

Sob o ponto de vista da mera memorização do texto de lei, a questão é de razoável simplicidade, pois o art. 180 da Lei n. 11.101/05 é claro ao mencionar que:

Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei.

No entanto, as implicações do assunto, devidamente aprofundado, são inúmeras. O assunto influencia diretamente no surgimento do ius puniendi do Estado, na prescrição do delito falimentar, em seu momento consumativo e até mesmo na prisão processual.

Passaremos a abordar as principais repercussões do assunto nos tópicos seguintes.

Preliminarmente: a polêmica natureza jurídica

Antes de fazer qualquer consideração, é necessário que se entenda a discussão acerca da aludida natureza jurídica.

As polêmicas a respeito da matéria foram (e ainda são) tão intensas, que necessitariam, para seu esgotamento, de longas explanações, o que não é objetivo deste texto.

No entanto, podemos resumir as posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a natureza jurídica da decisão que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial, em relação ao crime falimentar, em três correntes básicas, constantes da ilustração seguinte:

A posição doutrinária que considera a decisão de falência ou recuperação como elemento do tipo penal falimentar teve ardorosa defesa do ilustre Prof. Vicente Greco Filho, argumentando que é a corrente que melhor explica as consequências práticas derivadas da posterior reforma da decisão:

Nossa posição é a de que se trata de elemento do tipo penal, ainda que implícito ou genérico. As outras posições, de que seria condição de procedibilidade ou condição de punibilidade, não explicam a extinção de todos os efeitos, inclusive da sentença condenatória, se for rescindida a sentença de falência. Afirmar que se trata de condição de procedibilidade explica a impossibilidade de ação penal sem ela, mas não a extinção da ação penal depois de proposta, no caso de rescisão; afirmar que se trata de condição de punibilidade, por sua vez, não explica a extinção de todos os efeitos, inclusive da sentença penal condenatória transitada em julgado se houver rescisão da sentença de falência. Nossa conclusão, portanto, apesar de argumentos em contrário, como, por exemplo, o de que esse elemento do tipo não se encontra na vontade do agente, é de que a sentença de falência tem essa natureza, ainda que, quanto a ela, se deva reconhecer a existência de resquício de responsabilidade objetiva (GREGO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1993).

O principal contraponto à teoria supracitada é que, se assim fosse, a falência ou recuperação deveria estar abrangida pelo dolo do agente, razão pela qual seria possível chegar à conclusão que um devedor, ao cometer um crime falimentar antes da quebra (p.ex., uma fraude a credores) deveria ter a intenção de falir posteriormente, o que se configura em conclusão afastada da realidade. Por outro lado, admitir a existência de um elemento do tipo penal não abrangido pelo dolo do agente seria admitir a responsabilidade penal objetiva, o que é, no mínimo, de duvidosa constitucionalidade.

A natureza de condição de procedibilidade, que situa a decisão que declara aberta a falência (ou que concede a recuperação) como obstáculo à persecutio criminis, era defendida, entre outros, por Tourinho Filho, nos seguintes termos:

Pareceu-nos, anteriormente, fosse a sentença declaratória de falência elemento normativo do tipo... Contudo, atentando para a regra contida no parágrafo único do art. 143 da Lei de Falências, parece-nos que a sentença declaratória funciona como condição de procedibilidade, tanto mais quanto o art. 507 do CPP dispõe que a ação penal não pode iniciar-se antes de declarada a falência (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1994).

Na jurisprudência, principalmente nas decisões anteriores à Lei 11.101/05, também verificamos acórdãos que defendiam a natureza jurídica mencionada, como condição de procedibilidade:

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

PROCESSO: RECURSO NO SENTIDO ESTRITO RSE184997 DF ACÓRDÃO: 104814

ÓRGÃO JULGADOR: 2a Turma Criminal DATA: 12/03/1998 RELATOR: VAZ DE MELLO PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 03/06/1998 Pág.: 45 REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART.-43 INC-1 FED DEL-7661/1945 ART.-186 INC-6 ART.-187 RAMO DO DIREITO: DIREITO PENAL.

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME FALIMENTAR. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR ATIPICIDADE DO FATO. Não é cabível discutir em processo-crime a natureza jurídica da atividade desenvolvida pelo falido, uma vez atendida a condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pela declaração do estado de falência, que pressupõe, a qualidade de empresário comercial do devedor; sua insolvência e a declaração judicial da falência. Constituindo-se a falida como empresa individual, torna-se obrigatória a manutenção dos livros sob a égide da Lei de Quebras, urgindo a reforma do decisum monocrático para que se proceda ao recebimento da denúncia. CONHECIDO E PROVIDO O RECURSO PARA RECEBER A DENÚNCIA. UNÂNIME. DECISÃO: CONHECER E PROVER O RECURSO PARA RECEBER A DENÚNCIA. UNÂNIME.

Diante da divergência existente, a Lei 11.101/05, em seu art. 180, quis, ao adotar um posicionamento explícito sobre a matéria, por fim às controvérsias existentes. No entanto, como não poderia deixar de ser, a opção do legislador foi também objeto de críticas doutrinárias [1].

Respeitando sempre a divergência de opiniões, parece-nos que a Lei 11.101/05 foi no caminho certo, definindo a natureza jurídica da decisão de falência ou recuperação como condição objetiva de punibilidade. Para o melhor entendimento do leitor, faz-se necessário conceituar tal instituto, separando-o das condições de procedibilidade.

Como ressaltamos na obra supracitada no início deste texto:

Por condição objetiva de punibilidade entendem-se os fatos ou as circunstâncias, exteriores ao tipo penal, não abrangidos pelo dolo do agente, exigidos em lei como pressuposto necessário à punição do delito. Dizem respeito ao próprio nascimento do direito de punir do Estado, que não ocorre sem sua implementação efetiva. Enquanto na ausência de uma condição de procedibilidade o Estado vê seu direito de punir nascer, mas seu exercício em juízo ficar impedido até a implementação daquele condicionamento, não havendo uma condição de punibilidade exigida em lei, sequer surgirá o ius puniendi estatal, que não poderá nem mesmo ser declarado extinto, por nunca ter se aperfeiçoado ante a falta de uma condição para tanto (PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes falimentares: teoria, prática e questões de concursos comentadas. São Paulo: Malheiros, 2010).

Da mesma fonte, temos a lição:

Entende-se por condição de procedibilidade todo e qualquer requisito cuja existência a lei imponha como necessária ao exercício da ação penal em juízo. Exemplos clássicos de tal instituto são a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça, nos crimes em que a lei exija. As condições de procedibilidade subordinam o exercício da ação penal e não o direito de punir estatal. Ocorrido o crime, surge para o Estado o direito de punir, que permanece, entretanto, subordinado a uma condição para ser exercido em juízo. Assim, enquanto não presente uma condição de procedibilidade, não pode o Estado ingressar em juízo para punir o criminoso, embora seu direito de puni-lo permaneça íntegro e possa, inclusive, ser extinto se ocorrer uma das causas do art. 107 do CP (p.ex., extinção da punibilidade pela morte do agente antes da representação da vítima em crime de ação penal pública condicionada) (PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes falimentares: teoria, prática e questões de concursos comentadas. São Paulo: Malheiros, 2010).

Com efeito, pelos motivos elencados anteriormente (proibição da responsabilidade penal objetiva e não abrangência pelo dolo do agente) a decisão de falência ou recuperação não pode ser conceituada como elemento do tipo penal falimentar.

Igualmente, não pode, em nosso entendimento, ser conceituada como condição de procedibilidade, pois além de esta última orientação contrariar dispositivo expresso de lei, teria como consequência o mero condicionamento da ação penal em juízo e não do direito de punir do Estado, o que permitiria, por exemplo, o início da contagem do prazo prescricional do delito pré-falimentar desde seu cometimento, antes da superveniência da decisão de quebra ou recuperação (tal como se dá nos crimes de ação pública condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça), quando isso não ocorre efetivamente nos casos dos crimes pré-falimentares (ou pré-recuperação).

Vejamos algumas das consequências da natureza jurídica mencionada nos tópicos seguintes:

A prescrição do delito cometido antes da falência ou recuperação

Uma das principais consequências da definição da decisão de falência ou de recuperação como condição objetiva de punibilidade é que, enquanto não sobrevinda a condição objetiva de punibilidade, o ius puniendi estatal não surge. [2]

Não surgindo para o Estado seu direito de punir o delito e seu autor, não se pode iniciar a contagem do prazo prescricional nos crimes cometidos anteriormente à falência ou recuperação (crimes pré-falimentares ou pré-recuperação) desde a data da consumação, como ocorre com os demais delitos (art. 111, I, do CP).

E nem poderia ser diferente. Note-se que não seria justo contar o prazo prescricional a partir da data do fato, quando não existe ainda para o Estado, representado por meio do Ministério Público ou de querelante particular, a possibilidade de pleitear a punição do delito em juízo. Com efeito, se a decisão de quebra ou recuperação é condição para que o Estado puna o criminoso (condição objetiva de punibilidade), não é lógico que a prescrição se inicie enquanto a possibilidade de punir ainda não existe pela ausência da condição necessária para tanto.

Ora, se a possibilidade de punir criminalmente o agente ainda não nasceu quando da ocorrência do crime falimentar (sendo possível somente após a quebra ou a recuperação homologada ou concedida) não se pode cogitar de perda da pretensão pela inércia do titular. [3]

Bem ressalta tal fato o Senador RAMEZ TEBET em seu parecer ao PLC 71/2003, nos seguintes termos:

No que se refere à prescrição penal, o Substitutivo preferiu adotar uma postura mais cautelosa, ou seja, fixar a sentença que decreta a falência ou a recuperação judicial como termo inicial da contagem do prazo prescricional. Ora, se a decisão judicial é condição indispensável para a persecução penal dos referidos crimes, nada mais razoável que a prescrição comece a correr a partir da data da publicação da sentença de falência ou da recuperação judicial.

Parece-nos inconcebível que a contagem do referido prazo inicie-se com a consumação do fato, uma vez que, nesse momento, o Estado ainda não está habilitado a deduzir a pretensão punitiva em juízo. Como se sabe, um dos fundamentos do instituto da prescrição é justamente a demora do Estado em dar vazão ao poder punitivo. O raciocínio é simples: se não há demora, não pode haver prescrição.

Veja-se que, fosse a decisão de falência ou recuperação mera condição de procedibilidade, não haveria qualquer repercussão, em princípio, no decurso do prazo prescricional. Tanto assim, que nos crimes cuja ação penal é subordinada à condição de procedibilidade, consistente na representação do ofendido (p.ex., ameaça, lesões corporais dolosas leves, etc.), o decurso do lapso prescricional se perfaz independentemente da vítima exercer a prerrogativa de representar.

O início do inquérito e prisão processual do autor

Outro problema que surge diante da natureza jurídica de condição objetiva de punibilidade da decisão de falência ou recuperação é concernente à repercussão na possibilidade de instauração de inquérito policial e prisão do agente no curso do processo ou da investigação, nos crimes que antecedem a falência ou recuperação.

Se, como conceituamos anteriormente, antes da superveniência da condição objetiva de punibilidade, não surge ao Estado o direito de punir o crime e seu autor, também não poderá o Estado tomar medidas restritivas da liberdade do cidadão. Aliás, antes da ocorrência da condição de punibilidade, a própria atividade da persecutio criminis, por meio do inquérito ou processo criminal, já é causadora de constrangimento ilegal.

Dessa forma, não aperfeiçoada a condição de punibilidade, tranca-se a ação penal ou o inquérito iniciados. Da mesma forma, se sobrevier reforma da decisão de falência ou recuperação, de modo a que estas não mais subsistam no mundo jurídico, deve-se trancar, do mesmo modo, a persecução penal.

Note-se, por oportuno, que se a extinção da punibilidade (= extinção do direito de punir do Estado) é causa de trancamento de inquérito policial ou da ação penal instaurada, com muito mais razão será motivo de trancamento quando a prerrogativa estatal de punir não tenha sequer nascido.

Veja-se, nesse sentido, a decisão seguinte:

Tribunal de Justiça de São Paulo

HABEAS CORPUS - Trancamento da ação penal - Ausência de justa causa - Crime falimentar - Decretação da quebra de empresa na qual a paciente figura como sócia - Posterior reforma da decisão pelo Tribunal - Atipicidade de conduta imposta caracterizada - Trancamento determinado - Ordem concedida. (Habeas Corpus n. 289.005-3 - São Paulo - 1ª Câmara Criminal - Relator: Andrade Cavalcanti - 09.08.99 - V. U.).

Na doutrina, interessante o ensinamento de Franz Von Liszt a respeito:

Quando falta, e tanto quanto falta, a condição de punibilidade, também não pode originar-se o direito do Estado à pena; o ato não é punível no sentido da lei (...). Por isso, antes de sobrevir a condição (...) não pode ser iniciado o processo, nem mesmo pode ser apresentada a queixa, com eficácia jurídica, para a iniciação do processo (LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2006).

Consumação e tentativa em delitos falimentares

A natureza da decisão de falência e de recuperação também possui influência no momento em que se consideram consumados os crimes pré-falimentares ou pré-recuperação.

Isto porque, se considerássemos as decisões aludidas como elementos do tipo penal falimentar, teríamos como consequência inafastável que tais crimes somente estariam consumados quando da decisão de falência ou recuperação, dado que, nos termos do art. 14, I, do CP, o crime só se pode considerar consumado quando nele se reunirem todos os elementos de sua definição legal. Ora, se a decisão de falência ou recuperação for considerada elemento do crime, só poderá haver consumação quando da publicação de referidas decisões.

Por outro lado, ao se entender a decisão falimentar ou de recuperação como uma condição de punibilidade externa ao tipo penal respectivo, tem-se como consequência que o crime pré-falimentar ou pré-recuperação estará consumado quando da prática da ação ou omissão descritas no tipo penal e não quando, posteriormente, sobrevenha uma decisão judicial reconhecendo a bancarrota ou a crise empresarial.

Por entendermos correta a opção do legislador no art. 180 da Lei 11.101/05, defendemos que o crime pré-falimentar ou pré-recuperação se consuma quando efetivadas as condutas (positivas ou negativas) descritas no tipo penal e não quando da superveniência da decisão de falência ou recuperação.

A questão também repercute na possibilidade de ocorrência de tentativa dos crimes pré-falimentares ou pré-recuperação, gerando amplas celeumas doutrinárias.

Parte da doutrina entende que, ou bem já existe crime consumado com o advento da condição de punibilidade consistente na decisão de falência ou recuperação, ou tratar-se-á de fato impunível.

Desse modo, na opinião de alguns doutrinadores, a necessidade de sobrevinda da condição de punibilidade supracitada tornaria impossível a ocorrência de tentativa de crime pré-falimentar ou pré-recuperação, principalmente nos casos em que se cuide de crimes sem resultado naturalístico ou em que haja apenas evento de perigo (e não dano) ao bem jurídico protegido.

Parte da doutrina, porém, mesmo nessas condições admite a tentativa mesmo em crimes pré-falimentares ou pré-recuperação, quando as decisões judiciais decretando a quebra ou recuperação venham a colher o delito no curso de sua execução.

Maximilianus Cláudio Américo Führer admite a tentativa em crimes antefalimentares, mesmo reconhecendo que são de rara ocorrência prática. Cita os seguintes exemplos:

1) O comerciante, nas vésperas da falência, emite alguns cheques para pagar dívidas não vencidas, a favor de uns credores, em prejuízo de outros (...). Declarada a falência, o síndico assume a administração da massa e susta o pagamento dos cheques e susta a ordem de pagamento dos cheques, mediante uma contra-ordem ao banco; 2) O devedor, pretendendo desviar vultoso lote de mercadorias, providencia o embarque clandestino das mesmas para outro país (...). Declarada a falência, o síndico chega a tempo, apreendendo a mercadoria no porto (exemplo citado por Antolisei); 3) Antevendo a falência, o comerciante põe fogo nos seus livros (...). Mas, antes que os mesmos sejam destruídos, intervém um oficial de justiça, que li comparece para cumprir uma ordem de sequestro de livros, expedida antes da declaração da falência (FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Crimes falimentares. São Paulo: RT, 1972.).

Franz Von Liszt (op. cit. pg. 308), por seu turno, admite a tentativa com algumas restrições:

Quando falta, e tanto quanto falta, a condição de punibilidade, que a lei exige, não pode entrar em questão a consumação ou a tentativa do crime respectivo. Deve-se, porém, admitir a existência da tentativa e deve ela ser punida segundo a escala reduzida do art. 44 do CP, quando se dá a condição de punibilidade, mas a ação falhou ou não progrediu até a consumação do crime.

Conclusões

Impera grande divergência doutrinária no que tange à natureza jurídica da decisão que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial em relação ao crime falimentar.

Resumimos no texto três das principais posições: 1) trata-se de elemento do tipo falimentar; 2) cuida-se de condição de procedibilidade; 3) tem-se uma condição objetiva de punibilidade.

Embora houvesse (e ainda haja) defensores das três correntes, a Lei 11.101/05 buscou conferir, no corpo de seu texto, certa pacificação à matéria, adotando a linha segundo a qual a natureza jurídica das decisões mencionadas é a de condição objetiva de punibilidade (questão objeto do último concurso para analista de promotoria do MPSP).

A tese adotada na Lei 11.101/05 tem várias repercussões.

Dentre elas, a relativa à prescrição do delito pré-falimentar ou pré-recuperação, a qual, ao contrário dos demais delitos, não surge com a data do fato ou da consumação, mas somente com a superveniência da decisão que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial.

Na mesma linha, anteriormente à superveniência das decisões aludidas, tidas como condição de punibilidade, não pode o Estado iniciar a persecução penal do delito pré-falimentar ou pré-recuperação, ou tomar qualquer medida de restrição de liberdade, consistente em prisão processual de natureza cautelar, contra o cidadão. Isso porque, não tendo surgido para o Estado o direito de punir, a persecutio criminis ou a restrição de liberdade tornam-se, por si, um constrangimento ilegal, sanável por via de habeas corpus.

A natureza jurídica das decisões mencionadas no texto também influenciam a questão do momento da consumação e da possibilidade de tentativa do crime pré-falimentar ou pré-recuperação.

Aqueles que as consideram como elementos do tipo penal falimentar, acabam por ter de concordar que o crime pré-falimentar ou pré-recuperação só estaria consumado quando sobreviesse a decisão de falência ou recuperação (e não quando, anteriormente, o agente tivesse praticado as condutas definidas no tipo penal).

Como concordamos com a posição assumida no art. 180 da Lei 11.101/05, somos partidários da tese segundo a qual o crime pré-falimentar ou pré-recuperação se consuma quando efetivadas as condutas (positivas ou negativas) descritas no tipo penal e não quando da superveniência da decisão de falência ou recuperação.

Dada a necessidade de uma condição de punibilidade, a doutrina diverge em relação à possibilidade de tentativa de crime pré-falimentar ou pré-recuperação. Parte dos doutrinadores, entendem a figura da tentativa inadmissível nesses delitos. Outros a entendem possível quando as decisões judiciais decretando a quebra ou recuperação venham a colher o delito no curso de sua execução.


[1] Dentre elas a feita por ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO na obra Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. Coordenação: Francisco Satiro de Souza Júnior, Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

[2] Ressalte-se, porém, que pode haver a hipótese em que o direito de punir surja para o Estado com o aperfeiçoamento da condição de punibilidade, a qual, posteriormente, vem a não mais subsistir. Exemplo disso seria a reforma da decisão de que decreta a falência ou concede a recuperação em segunda instância. Nesse caso, o direito de punir do Estado se origina, vindo posteriormente a perecer. Outro caso interessante diz respeito à possibilidade de suspensão da condição de punibilidade, com influência na suspensão do prazo prescricional do crime falimentar, conforme se verifica na decisão seguinte: Tribunal de Justiça de São Paulo: PRESCRIÇÃO CRIMINAL – Crime falimentar – Suspensão dos efeitos da decretação da falência por força de liminar concedida em agravo de instrumento – Reinício da fluência do prazo prescricional de dois anos, previsto no Decreto-Lei n. 7.661/45, depois de resolvida a causa impeditiva ou suspensiva da prescrição da pretensão punitiva (no caso, após a decisão que negou provimento ao agravo), computando-se o tempo decorrido entre a decretação da falência e a concessão daquela liminar – Cabimento – Inteligência do art. 116, inciso I, do CP – Recurso provido para cassar os efeitos da decisão que recebeu a denúncia e declarar a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, com fundamento no art. 199 do Decreto-Lei n. 7.661/45, sendo vencido o relator (Recurso em Sentido Estrito n. 1.019.658.3/9 – Pirassununga – 12ª Câmara Criminal – Relator: João Morenghi – 30.05.07 – M.V. – Voto n. 11.526).”

[3] Dispositivo que bem explica o fato do prazo prescricional não se iniciar imediatamente com a prática do crime é o estatuído no art. 158 Código Penal italiano, ora transcrito parcialmente: “Quando la legge fa dipendere la punibilità del reato dal verificarsi di una condizione, il termine della prescrizione decorre dal giorno in cui la condizione si è verificata”.

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